Cultura
Cultura (do latim cultura), na
definição do antropólogo Edward B. Tylor, é "todo aquele complexo que
inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos
os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da
sociedade". Embora a definição de Tylor tenha sido problematizada e
reformulada constantemente, tornando a palavra "cultura" um conceito
extremamente complexo e impossível de ser fixado de modo único. Na Roma antiga,
seu antepassado etimológico tinha o sentido de "agricultura"
(significado que a palavra mantém ainda hoje em determinados contextos), como
empregado por Varrão, por exemplo.
A cultura é,
também, associada, comumente, a "altas" formas de manifestação
artística e/ou técnica da humanidade, como a música erudita europeia (o termo
alemão "Kultur" – "cultura" – se aproxima mais desta
definição). Definições de "cultura" foram realizadas por Ralph
Linton, Leslie White, Clifford Geertz, Franz Boas, Malinowski e outros
cientistas sociais. Em um estudo aprofundado, Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn
encontraram, pelo menos, 167 definições diferentes para o termo
"cultura".
Por ter sido
fortemente associada ao conceito de civilização no século XVIII, a cultura,
muitas vezes, se confunde com noções de: desenvolvimento, educação, bons
costumes, etiqueta e comportamentos de elite. Essa confusão entre cultura e
civilização foi comum, sobretudo, na França e na Inglaterra dos séculos XVIII e
XIX, onde cultura se referia a um ideal de elite. Ela possibilitou o surgimento
da dicotomia (e, eventualmente, hierarquização) entre "cultura
erudita" e "cultura popular", melhor representada nos textos de
Matthew Arnold, ainda fortemente presente no imaginário das sociedades
ocidentais.
Contextualização
Existem muitas dúvidas sobre o
significado do termo “contextualização”. A primeira definição é de que se trata
de trazer o assunto para o cotidiano das pessoas. É também, mas não é somente.
Ele pode significar o ato de tentar colocar o objeto de estudo dentro de um
universo em que ele faça sentido, calcular o centro da parábola para o melhor
posicionamento de antenas, exemplificando. Entendido isso, evitam-se situações
forçadas em que o transmissor se sente na obrigação de relacionar todo e
qualquer conteúdo à vida dos alunos. Algumas vezes, aquilo que ele não consegue
contextualizar, acaba até sendo excluído do currículo, o que prejudica e muito
a aprendizagem da turma.
Entendendo a cultura
O que é cultura? Para o aluno que
está começando a estudar antropologia missionária, muitas vezes essa pergunta é
a reação inicial a uma coleção confusa de descrições, definições, comparações,
modelos e paradigmas. É provável que na língua portuguesa, não exista outra
palavra consentido mais abrangente que “cultura” e não haja outro campo de
estudo mais complexo que a antropologia cultural. De qualquer maneira, a
compreensão adequada do significado do termo é um pré-requisito para qualquer
comunicação eficaz das boas novas do evangelho a um grupo humano distinto.
Para entender a
cultura dever-se-á prestar a atenção nas “cascas”, ou seja, níveis de
entendimento, à medida que se aproxima do seu verdadeiro cerne. Para isso, o
missionário deve entender que ele está vendo este conjunto de informações pela
primeira vez.
Primeiramente o
missionário deverá observar o comportamento do povo. Essa é a
casca mais superficial, observada por um missionário chegado a uma comunidade.
Esta primeira caca é apontada, pela seguinte pergunta: O que se faz? Isto é Comportamento.
Assim, o
observador se aperceberá que muitos dos comportamentos são aparentemente
determinados por escolhas semelhantes, feitas pelos membros dessa sociedade.
Então é introduzida uma segunda pergunta: O que é bom, ou melhor? Isto são Valores
Entender
valores é o passo mais significativo no campo missionário, pois o evangelho é
feito de valores, e estes valores são valores absoluto. Ao compreender os
valores de uma cultura o missionário irá se deparar com crenças e mitos; compreende-los
proporcionará o entendimento das crenças culturais. Essas crenças
permitirá que o missioneiro chegue à terceira pergunta: O que é verdadeiro? CRENÇAS
As
crenças é o que mais traz dificuldade na contextualização missionária. Logo o
missionário irá observar crenças operacionais (que afetam
valores, e comportamento) e crença teóricas (convicções
expressas em palavras, cujo impacto é praticamente nulo sobre os valores e o
comportamento).
No
cerne de cada cultura está a sua cosmovisão. Cosmovisão é a maneira
subjetiva de ver e entender o mundo, especialmente as relações humanas e os
papéis dos indivíduos e o seu próprio na sociedade, assim como as respostas a
questões filosóficas básicas, como a finalidade da existência humana, a
existência de vida após a morte etc.; visão de mundo. Esta visão de Mundo é
compreendida por interrogativas posteriores:
1ª O que é real? Que leva as
discursões ultimas;
2ª Quem são? De onde viveram?
Leva as discursões secundárias; e
3ª Qual o tempo que
verdadeiramente importa? Leva as discursões primárias.
Cada
cultura presume respostas específicas a essas indagações, e essas respostas
controlam e integram cada função, cada aspecto e cada comportamento da cultura.
Quarta pergunta. O que é real?
COSMOVISÃO.
Cosmovisão
O estudo das
cosmovisões é um estudo das ideias que influenciam quase todo pensamento e toda
decisão que uma pessoa faz no curso de sua vida. Literalmente, cosmovisão é
tudo sobre tudo. Leia o discurso do apóstolo Paulo em Atos 17:22-31 e você verá
uma síntese da visão cristã do mundo. Nessa passagem, Paulo discute suas visões
sobre a origem e natureza do universo, a identidade e valor dos seres humanos,
a natureza e a existência de Deus, a teoria cristã da verdade e do destino
humano. Nessa breve passagem, Paulo responde às questões essenciais que todas
as cosmovisões devem abordar. O estudo das cosmovisões é um tópico de
importância crescente para os cristãos por causa da diversidade crescente das
pessoas no mundo e as pressões sociais, políticas, morais e teológicas que
disso resultam. À medida que as visões das pessoas sobre Deus, os seres
humanos, a verdade, a moralidade, o comportamento humano, etc., se tornam mais
diversos, o potencial para o conflito e a confusão cresce. Não é incomum uma
disputa intensa irromper quando duas pessoas se envolvem numa conversação sobre
algumas das principais questões morais dos nossos dias. A fonte de discórdia é
geralmente uma diferença em como cada pessoa vê o mundo.
Os Elementos de uma Cosmovisão
Os Elementos de uma Cosmovisão
Toda e qualquer cosmovisão toma partido sobre os pontos listados abaixo. O
desafio é discernir qual é esse partido e como ele é justificado.
1. Cosmologia – toda cosmovisão
tem uma explicação para a origem e para a natureza do universo.
2. Teologia – toda cosmovisão,
incluindo o ateísmo, toma uma posição sobre a existência e a natureza de Deus.
3. Antropologia – a identidade e
o valor dos seres humanos.
4. Epistemologia – a natureza e a
justificativa para o conhecimento/ verdade.
5. Axiologia – a identidade e a
natureza dos valores.
6. História – o padrão e a
importância dos eventos históricos.
7. Destino – o que acontece às
pessoas após a morte.
EM BUSCA DE UMA CONTEXTUALIZAÇÃO AUTÊNTICA
"Rogo-vos,
pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.
E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus."
E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus."
Romanos 12:1,2
CONCEITOS
PARA CONTEXTUALIZAÇÃO
·
CONTEXTO:
Encadeamento das ideias dum escrito; Contextura: "Todo o contexto enfim da
vida, / por diversos pedaços repartida"...; Aquilo que constitui o texto
no seu todo; composição; Conjunto; todo, totalidade: "A incorporação do
romantismo no contexto nacional haveria de processar-se em termo de uma
conciliação"; Argumento, assunto. {Dicionário Aurélio]
No sentido teológico-religioso -
contexto é tem os seguintes sentidos:
Contexto
Bíblico é o texto completo, do qual alguns versículos ou capítulos fazem parte;
Contexto Cultural é o ambiente caracterizado por uma certa cultura ou é
influenciado por vários fatores culturais. Neste sentido, o contexto cultural
exerce grande pressão sobre os cristãos.
·
CONTEXTURA: Ligação entre as partes de um todo;
encadeamento, o mesmo que contexto.
·
CONTEXTUALIZAÇÃO: Ato de conformar, adaptar, ou
encaixar, uma ideia, conceito, atividade, procedimento, a um contexto cultural
imediato ou remoto. Contextualização tem sido vista também, como uma
atualização de coisas e procedimento obsoletos a uma realidade mais dinâmica e
relevante.
·
CULTURA HUMANA à “é sempre um processo dinâmico
para o enredo da vida. Reúne as tradições do passado, corresponde e se acomoda
à modernidade de uma sociedade tecnológica e cada vez mais urbana, e está em
interação constante com os principados e potestades supraculturais. ...Cada
geração aprende de novo e formula sua própria cultura. Há, portanto , um grau
considerável de flexibilidade e relatividade no centro focal da cultura humana”[Bruce
J. Nicholls em “Contextualização: uma Teologia do Evangelho e Cultura”
Pg.42,43]
·
CULTURAL à Relativo a Cultura humana, ou algo
ligado a Cultura deste lado de cá do mundo natural em contraste com o mundo
sobrenatural.
·
SUPRA-CULTURAL à Relativo a coisas, seres e
fatos do mundo sobrenatural, ou seja, que influenciam a cultural, mas estão
acima e além dela, e de uma percepção e explicação cultural. Por exemplo, a
influência dos demônios.
·
TRANS-CULTURAL à Termo missionário relativo a
comunicação entre duas culturas diferentes.
·
TEOLOGIA BÍBLICA DOGMÁTICA à Teologia baseada
nos fundamentos bíblicos, tendo-os como verdades absolutas e eternas. De modo,
que vence as pressões culturais que tentam mudá-la.
·
TEOLOGIA CONTEXTUALIZADA à No julgamento de Bruce
J. Nicholls: “A teologia contextualizada de modo distinto da teologia bíblica
dogmática, é sempre relativa”. Bruce acrescenta um aspecto importante da
contextualização. Qual deve ser o ponto
de partida da contextualização ? Parte-se o evangelho para a cultura, ou da
cultura para o evangelho? Examinemos esta questão mais adiante.
·
EVANGELHO CONTEXTUALIZADO à É o evangelho que
sofreu adaptações e mudanças para se tornar mais aceitável e poder se encaixar
a um determinado contexto formado por culturas, filosofias, teologias, e conceitos religiosos,
sociológicos e antropológico que de alguma maneira conflitam ou não valorizam
muito a Bíblia.
·
EVANGELHO PRAGMÁTICO à Nos tempos atuais, é
quase sinônimo de evangelho contextualizado, porque, especialmente no meio neo-evangélico
e liberal, a contextualização é quase sempre baseada no pragmatismo filosófico
e antropológico, ou seja, o evangelismo é
feito de modo que agrade ao homem, lhe proporcionando conforto,
entretenimento, sucesso, mesmo que tenha de se valer de metodologias mundanas de psicologia popular e
entretenimento , além das técnicas comerciais de marketing enganoso, para fisgar o candidato.
Teologia da Contextualização
Quando Hesselgrave afirma que
contextualizar é tentar comunicar a mensagem, trabalho, Palavra e desejo de
Deus de forma fiel à Sua Revelação e de maneira significante e aplicável nos
distintos contextos, sejam, culturais ou existenciais, ele expõe um desafio à
Igreja de Cristo: comunicar o Evangelho de forma teologicamente fiel e ao mesmo
tempo humanamente inteligível e relevante. E este talvez seja o maior desafio
de estudo e compreensão quando tratamos da teologia da contextualização.
Historicamente, a ausência de uma teologia bíblica de contextualização tem
gerado duas consequências desastrosas no movimento missionário mundial: o
sincretismo religioso e o nominalismo evangélico.
Antes, porém,
gostaria de expor introdutoriamente sobre a relevância da contextualização na
apresentação do Evangelho com base em Mateus 24:14. Ali Jesus se reunia com
seus discípulos, pouco antes de ser elevado aos céus, e responde a estes sobre
os sinais que antecederão a sua vinda. Após dissertar sobre evidências mais
cosmológicas (guerras e rumores de guerras) e eclesiológicas (perseguição e
falsos profetas) Jesus lança uma evidência puramente missiológica dizendo que
“será pregado o Evangelho do Reino por todo o mundo, para testemunho a todas as
nações. Então virá o fim”.
A expressão
grega para “e será pregado” tem como raiz kerygma, uma proclamação audível e
inteligível do Evangelho paralelamente à martyria que chama um sentido mais
pessoal, de testemunho de vida. Esta ação kerygmática aponta para o fato de
que o Evangelho será pregado de forma compreensível. O “mundo” aqui exposto no
texto é a tradução de oikoumene que significa “mundo
habitado”. A ideia textual, portanto, não é geográfica, territorial, mas sim
demográfica, onde há pessoas, mostrando que este Evangelho do Reino será
pregado kerygmaticamente, inteligivelmente, em todo o mundo habitado. A
forma de isso acontecer, segundo o texto, é através do testemunho a todas as
nações. A raiz para “testemunho” aqui é martyria que nos ensina que esta
ação proclamadora, kerygmática, do Evangelho acontecerá através de uma Igreja martírica,
que tenha o caráter de Cristo. Ou seja, apenas os salvos pregarão este
Evangelho do Reino. Finaliza a frase dizendo que o testemunho chegará a todas
as nações, onde traduzimos o termo ethnesin, de ethnia, para nações, ou
seja, grupos linguística e culturalmente definidos. Poderíamos parafrasear o
verso 14 dizendo que “o Evangelho do Reino será proclamado de forma inteligível
e compreensível por todo o mundo habitado, através do testemunho martírico,
de vida, da Igreja, a todas as etnias definidas”. A frase final nos diz que
“então virá o fim” e “fim” aqui (telos) aponta para a volta do Senhor Jesus,
ligada comumente à sua parousia, seu retorno.
O princípio
bíblico da comunicação. Jesus nos ensina diversas vezes que a transmissão do
conhecimento do Evangelho não será uma ação realizada sem a participação
comunicativa da igreja. Esta participação envolve duas ações principais: a vida
e testemunho da Igreja, bem como a atitude de proclamar, expor, o Evangelho de
Cristo. Esta comunicação do Evangelho, portanto, em uma perspectiva
transcultural, necessita de um trabalho de “tradução” em duas áreas
específicas: a língua e a cultura. As línguas dispõem de códigos diferentes
para viabilizar a comunicação e o mesmo ocorre com a cultura. Quando se expõe a
um Inuit, ou esquimó, que o sangue de Jesus nos torna branco como a neve, ele
rapidamente nos perguntaria qual categoria de branco, já que em sua visão
culturalizada de quem convive com a neve e o gelo por milênios, há treze
diferentes tipos de “branco”. Ignorar tal extrato cultural culminará em uma
pregação rasa ou distorcida da Palavra de Deus.
Alguns
princípios textuais podem nos ajudar nesta introdução, pensando em Mateus
24:14. Percebemos que a transmissão de uma mensagem inteligível em sua própria
língua e contexto, portanto contextualizada, é pressuposto para o cumprimento
da grande comissão, já que a nós cabe não somente viver Jesus, mas também
proclamá-lO de forma compreensível. Apenas a Igreja, redimida, cumprirá esta
tarefa, ou seja, não é o Cristianismo que evangelizará o mundo, mas, sim a
Igreja redimida, que passou pelo novo nascimento.
Alguns pressupostos que utilizado
para a compreensão deste assunto.
1. A Palavra é supracultural e atemporal,
portanto viável e comunicável para todos os homens, em todas as culturas, em
todas as gerações. Cremos, assim, que a Palavra define o homem e não o
contrário.
2. Contextualizar o Evangelho não é
reescrevê-lo ou moldá-lo à luz da Antropologia, mas sim traduzi-lo linguística
e culturalmente para um cenário distinto a fim de que todo homem compreenda o
Cristo histórico e bíblico.
3. Apresentar Cristo é a
finalidade maior da contextualização. A Igreja deve evitar que Jesus Cristo
seja apresentado apenas como uma resposta para as perguntas que os missionários
fazem – uma solução apenas para um segmento, ou uma mensagem alienígena para o
povo alvo.
É preciso
avaliar os pressupostos teológicos a fim de guiarmos nossa ação missionária.
Martinho Lutero, crendo na integralidade da verdade Bíblica, expôs um Evangelho
que fosse comunicável, na língua do povo, com seus símbolos culturais
definidos, porém um Evangelho escriturístico e sem diluição da verdade. Sem
receio, por diversas vezes ensinou Melanchton dizendo: “prega de forma que
odeiem o pecado ou odeiem a você”. Se por um lado defendeu uma contextualização
eclesiológica traduzindo a Bíblia para a língua do povo, tendo cultos com a
participação dos leigos, pregando a Palavra dentro do contexto da época, por
outro deixou claro que o conteúdo da Palavra não deve ser limitado pelo receio
do confronto cultural. Se sua sensibilidade cultural fosse definidora de sua
teologia, e não o contrário, teríamos tido uma Reforma humanista e não da
Igreja. Teria sido o início de um movimento de libertação apenas do pensamento
e da expressão, um grito por justiça social que não inclui Deus e nem a
salvação, ou um apelo pelo resgate da identidade cultural, mas não a condução
do povo ao Reino de Deus.
Três perigos da
contextualização
O primeiro perigo, que é
político, tem sua origem na natural tendência humana de impor a outros povos
sua forma adquirida de pensar e interpretar, prática esta realizada em grande
escala pelos movimentos imperialistas do passado e do presente, bem como por
forças missionárias que entenderam o significado do Evangelho apenas dentro de
sua própria cosmovisão, cultura e língua. Desta forma as torres altas dos
templos, a cor da toalha da ceia, a altura certa do púlpito e as expressões
faciais de reverência tornam-se muito mais do que peculiaridades de um povo e
de uma época. Misturam-se com o essencial do Evangelho na transmissão de uma
mensagem que não se propõe a resgatar o coração do homem, mas sim moldá-lo à
uma teia de elementos impostos e culturalmente definidos apenas para o
comunicador da mensagem, apesar de totalmente divorciados de significado para
aqueles que a recebem.
As consequências
de uma exposição política do Evangelho tem sido várias, porém mais comumente
encontraremos o nominalismo, em um primeiro momento e, por fim, o sincretismo
quase irreversível. David Bosch afirma que o valor do Evangelho, em razão de
proclamá-lo, está totalmente associado à compreensão cultural do povo receptor.
O contrário seria apenas um emaranhado de palavras que não produziriam qualquer
sentido sóciocultural. George Hunsburger observa também que não há como
pregarmos um Evangelho a-cultural, pois o alvo de Cristo ao se revelar na
Palavra foi atingir pessoas vestidas com sua identidade humana. A perigosa
apresentação política do Evangelho a que nos referimos, portanto, confunde o
Evangelho com a roupagem cultural daquele que o expõe, deixando de apresentar
Cristo e propondo apenas uma religiosidade vazia e sem significado para o povo
que a recebe.
Um segundo
perigo, que é pragmático, pode ser visto quando assumimos uma abordagem
puramente prática na contextualização. Como a contextualização é um assunto
frequentemente associado à metodologia e processo de campo, somos levados a
entendê-la e avaliá-la baseados mais nos resultados do que em seus fundamentos
teológicos. Consequentemente, o que é bíblico e teologicamente evidente se
torna menos importante do que aquilo que é funcional e pragmaticamente efetivo.
Estou convencido de que todas as decisões missiológicas devem estar enraizadas
em uma boa fundamentação bíblico-teológica se desejamos ser coerentes com a
expressão do mandamento de Deus (At 2:42-47). Do ponto de vista puramente
pragmático, porém, é uma igreja que contextualiza sua mensagem sendo sensível
às nuances de uma cultura matriarcal, tradicional, encarnacionista e mística.
Devemos ser lembrados que nem tudo o que é funcional é bíblico. O pragmatismo
leva-nos a valorizar mais a metodologia da contextualização do que o conteúdo a
ser contextualizado. A apresentação pragmática do Evangelho, portanto,
privilegia apenas a comunicação com seus devidos resultados e esquece ater-se
ao conteúdo da mensagem comunicada.
Um terceiro
perigo, que é sociológico, é aceitar a contextualização como sendo nada mais do
que uma cadeia de soluções para as necessidades humanas, em uma abordagem
puramente humanista. Esta deve ser nossa crescente preocupação por vivermos em
um contexto pós-cristão, pós-moderno e hedônico. Isto ocorre quando
missionários tomam decisões baseadas puramente na avaliação e interpretação
sociológica das necessidades humanas e não nas instruções das Escrituras. Neste
caso os assuntos culturais, ao invés das Escrituras, determinam e flexibilizam
a teologia a ser aplicada a certo grupo ou segmento. O desejo por justiça
social não deve nos levar a esquecermos da apresentação do Evangelho. Vicedon
afirma que somente um profundo conhecimento bíblico da natureza da Igreja (Ef.
1:23) irá capacitar missionários a terem atitudes enraizadas na Missio
Dei e não apenas na demanda da sociedade. A defesa de um Evangelho
integral e desejo de transmitir uma mensagem contextualizada não devem ser
pontes para o esquecimento dos fundamentos da teologia bíblica.
Pressupostos bíblicos para a
contextualização
Escrevendo aos Romanos (1:18-27)
o apóstolo Paulo nos introduz ao conceito da contextualização em oposição à
inculturação trazendo à tona verdades cruciais para a proclamação do Evangelho
dentro de um pressuposto escriturístico e revelacional.
No
versículo 18, Paulo nos apresenta a um Deus irado com a postura humana e que se
manifesta contra toda a “impiedade” (quando o homem rompe seu relacionamento
com Deus e os Seus valores divinos) e “perversidade” (quando o homem rompe seu
relacionamento com o próximo e seus valores humanos). Expõe um homem corrompido
pela injustiça e criador da sua própria verdade.
Nos
versículos 19 e 20, Deus se manifesta através da criação e há aqui um elemento
universal: um Deus soberano, criador, controlador do universo e detentor da
autoridade sobre a criação. Os homens citados no verso 18 tornam-se
indesculpáveis por ser Deus revelado na criação “desde o princípio do mundo”,
sendo revelado tanto o “seu eterno poder”, quanto “a sua própria divindade”.
Portanto, perante um homem caído, existente em sua própria injustiça, impiedoso
e perverso, Paulo não destaca soluções humanas, eclesiásticas ou mesmo sociais.
Ele nos apresenta a Deus. Na teologia paulina a solução para o homem não é o
homem, mas é Deus e Sua revelação.
Nos versos 21
a 23, o homem tenta manipular Deus e Sua verdade, pois apesar deste
conhecimento natural, pela criação, “não o glorificaram como Deus, nem lhe
deram graças”. Fizeram altares e criaram seus deuses segundo seus corações,
ânsias e desejos. Deuses manipuláveis, comandados, um reflexo da vontade humana
caída. Assim, tais homens se “tornaram nulos em seus próprios raciocínios”
mudando “a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem
corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis”. O homem, portanto, não é
condenado por não conhecer a história bíblica. Ele é condenado por não
glorificar a Deus. Os homens não são condenados por não ouvirem a Palavra, são
condenados pelo pecado.
Nos versos 24
a 27, tais homens, em seu mundo recriado com as cores do pecado e injustiça
“mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar
do Criador”. A resposta de Deus foi o juízo e o texto nos diz que Ele entregou
os homens “à imundícia” como também às “paixões infames”.
Poder-se-á
notar princípios bíblicos para a contextualização missionária:
1. Há uma
verdade universal e supracultural: Deus é soberano e dono de toda glória. Esta
verdade fundamenta a proclamação do Evangelho.
2. O pecado
intencional (perversidade e impiedade) nos separa de Deus. Não há como
apresentar Deus buscando se relacionar com o homem sem expor o pecado humano e
seu estado de total carência de salvação.
3. Somos seres
culturalmente construtores de ídolos. É comum ao homem caído gerar uma ideia de
deus que satisfaça aos seus anseios sem confrontá-lo com o pecado. Esta atitude
é encontrada em toda a história humana e não colabora para o encontro do homem
com a verdade de Deus.
4. A mensagem pregada por Paulo é
contextualizada expondo Deus em relação à realidade da vida e queda humana.
Porém não é inculturada, pregando um Deus aceitável, mas sim um Deus
verdadeiro. Se amenizarmos a mensagem do pecado contribuiremos para a
incompreensão do Evangelho.
Contextualização na perspectiva
bíblica
Vejamos o assunto da
contextualização a partir da experiência bíblica de Paulo em três momentos
específicos. Apesar de Paulo ser o apóstolo para os gentios (Gal. 1:16) ele era
um judeu devoto. Desta forma, a partir de seus sermões e ensinos podemos
garimpar princípios norteadores da contextualização da mensagem.
Observaremos
três passagens bíblicas no livro de Atos nas quais Paulo proclama o Evangelho.
Primeiramente a um grupo formado puramente por judeus, em outra ocasião a
judeus, mas com presença gentílica simpatizante do judaísmo e por fim para
gentios totalmente dissociados do mundo judaico e de seus valores
vetero-testamentários. Ficará evidente, creio que Paulo jamais compromete a
autenticidade da mensagem bíblica, porém a comunica com aplicabilidade cultural
de forma que haja boa comunicação utilizando os elementos necessários para tal.
Em
Atos 9:19-22 encontramos Paulo em Damasco com os discípulos proclamando Cristo
nas sinagogas apresentando-O como “o Filho de Deus” e “confundia os Judeus que
moravam em Damasco, demonstrando que Jesus é o Cristo”. Aqui encontramos Paulo
logo após ser salvo, expondo nas Escrituras que o Jesus que ele perseguia no
passado tão próximo era de fato o Filho de Deus. A expressão grega para
“demonstrando” (que Jesus era o Messias prometido), no verso 22, implica em
demonstração com evidências objetivas, visíveis, o que nos dá a impressão que
Paulo o fazia através do próprio texto sagrado, as Escrituras. Sua forma de
pregação seguia a mesma dinâmica que ele viria a usar em todo o seu ministério
entre os Judeus: demonstrando a partir da comprovação escriturística que Jesus
é o Messias esperado (At 17:1-3). Paulo bem sabia que se alguém desejasse
mostrar aos judeus que uma pessoa era o Messias, teria que fazê-lo através das
Escrituras. Por isso sua abordagem foi baseada nas Escrituras, centralizada na
promessa do Messias e promotora de evidências de que este era Jesus. Paulo aqui
falava aos filhos de Israel, que se viam como os filhos da Promessa e,
portanto, em toda sua pregação ele utilizava elementos históricos e marcos da
relação entre Deus e Seu povo escolhido.
Em
Atos 13: 14-16, encontramos Paulo “atravessando de Perge para a Antioquia da
Pisidia, indo num sábado à sinagoga”. Logo depois ele, erguendo a mão, passou a
lhes proclamar a Cristo. Neste texto o grupo, culturalmente definido, é o mesmo
de antes: judeus. Havia, porém a presença gentílica de simpatizantes da fé
judaica. Paulo inicia com um dos principais fatos da história judaica, o Êxodo.
Ele então os relembra da história de Israel até Davi quando então,
intencionalmente, lhes introduz a promessa do Messias (At 13:23) e a liga a
Jesus. Interessante como Paulo neste caso prega a Cristo a partir do “Deus de
Israel”, e se fundamenta no Antigo Testamento para lhes apresentar o Messias
por saber que os gentios ali presentes não apenas conheciam o Antigo Testamento,
mas também procuravam segui-lo. Porém sua pregação tem também forte teor moral
e escatológico, que a distingue da primeira em Atos 9, apenas para aos judeus,
demonstrando sua sensibilidade para um auditório misto, mesmo que
prioritariamente judeu e judaizante. No verso 39, Paulo utiliza um texto de
inclusão (todo aquele), que se contrapõe ao discurso mais exclusivo que seguia
com os judeus, dizendo que todo aquele que cresse seria salvo. Certamente os
gentios judaizantes, fora da história biológica de Israel, se viam aí
incluídos: um Messias judeu para judeus e gentios.
Na
terceira passagem, em Atos 17: 16-31, Paulo proclama a Cristo para gentios que
nenhum conhecimento tinha das Escrituras. Paulo está em Atenas, o centro
filosófico do mundo da época, e é conduzido até o areópago pelos epicureus e
estoicos. Neste momento Paulo se encontrava em um cenário totalmente paganizado
sem pressupostos judaizantes. O sermão de Paulo desta vez não se iniciou nas
Escrituras vetero-testamentárias ou mesmo na promessa do Messias. Paulo lhes
pregou Deus, a partir das evidências da criação e do deus desconhecido, “pois
este que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu vos anuncio” (At 17:
23). Passa então a apresentar-lhes os atributos de Deus que “fez o mundo....
sendo Ele Senhor do céu e da terra” (v. 24), “de um só fez toda a raça humana”
(v. 26), “não está longe de cada um de nós” (v.27), “notifica aos homens que
todos em toda parte se arrependam” (v.30), “por meio de um varão...
ressuscitando-o dentre os mortos” (v.31). Note que no verso 24, Paulo utiliza
Theos para se referir ao “Deus que fez o mundo”, sendo o mesmo termo utilizado
(Theos) para mencionar o deus desconhecido. Ele utiliza da ideia existente de
deus para apresentar revelacionalmente o Deus da Palavra, criador de todas as
coisas. O fim da mensagem é o mesmo: Jesus que morreu e ressuscitou.
Notem
que aos judeus Paulo lhes fala sobre “o Deus da promessa”, Aquele que lhes
trouxe do Egito, pois estes conheciam o Deus da Escritura e se viam como os
filhos da promessa. Eles entendiam que Deus se revelou a seus pais, que
interagiu com seu povo ao longo da história, que lhes deixou as Escrituras.
Ao
segundo grupo Paulo lhes fala sobre o Deus das promessas e da história de
Israel, mas, como havia entre eles gentios, lhes fala também do Messias que há
de vir para a salvação de todo aquele que crê. Percebemos aqui neste texto que
Paulo apresenta-lhes o Evangelho com fortes evidências escriturísticas, para os
judeus, além de um forte apelo moral e escatológico, para os gentios
judaizantes.
Ao
terceiro grupo, puramente gentílico, o Messias que há de vir não lhes
transmitia nenhuma mensagem aplicável à sua história, pois era visto tão
somente como o Messias Judeu. Eles não tinham as Escrituras que O revelavam nem
as promessas e alianças. Eles não se enxergavam como filhos da promessa e não
se identificavam com Abrão e Moisés. Porém eles se viam como os filhos da
Criação. Possuíam tremenda atração pelas obras criadas e fascinação pela figura
do Criador. Eram caçadores de respostas, estudiosos da religiosidade, qualquer
religiosidade. Portanto, Paulo lhes pregou o Deus da criação, aquele que era
antes de qualquer outro, que detém o poder de fazer surgir, e mantém a
humanidade e o cosmos. Ele lhes fala demoradamente sobre os atributos deste
Deus que é único, soberano, próximo e perdoador. Finalmente lhes fala de Jesus
como o centro do plano salvífico de Deus, apresentando-O como o Messias para
toda a humanidade.
Algumas
conclusões a partir do modelo Paulino de exposição do Evangelho, em relação à
contextualização da mensagem.
1. A mensagem, em um processo de comunicação
contextual, jamais deve ser diluída em seu conteúdo. A fidelidade às Escrituras
deve ser nossa prioridade à semelhança de Paulo que falou da ressurreição de
Cristo no areópago, mesmo sabendo que seria um tema controverso para a crença
filosófica presente.
2. O público alvo, seus pressupostos
culturais, língua e entendimento sobre Deus são fatores relevantes para a
apresentação do Evangelho. Paulo não pregou a Cristo da mesma forma aos três
grupos. Sua sensibilidade ao ouvinte conduziu sua abordagem.
3. O uso de simbologias culturais
explicatórias das verdades bíblicas podem ser utilizadas desde que apresentem
claramente a relevância do Evangelho. Paulo fez isso utilizando o “deus
desconhecido” partindo de um elemento sócio-cultural para expor, com clareza, a
verdade do Evangelho. Em outros momentos ele o fez a partir da criação, do
contraste entre Deus e os deuses adorados e do próprio sentimento humano de
desencontro com a vida e perdição.
4. O Evangelho deve ser explicado a partir de
si mesmo e não da cultura. O conteúdo do Evangelho não é negociável. Quando
Paulo fala aos judeus sobre o Messias e lhes apresenta Jesus, ele estava ali em
uma linha “segura” de comunicação. Porém, seu desejo por criar uma atmosfera
propícia para a comunicação não fez com que minimizasse as verdades mais
confrontadoras, que o levariam a ser expulso, ignorado e questionado.
5. O alvo final da apresentação
da mensagem é levar o homem ao conhecimento de Cristo e não simplesmente
comunicar. A comunicação de Paulo pavimentava o auditório para a apresentação
da verdade, tanto para os filhos da promessa quanto para os filhos da criação.
7. O resultado esperado da apresentação
contextualizada do Evangelho é o arrependimento dos pecados e sincera
conversão. Qualquer apresentação do Evangelho que leve o homem a sentir-se
confortável em seu estado de pecado é certamente inconclusiva e parcial. Paulo
deixa isto bem claro quando lhes expõe um Evangelho libertador e transformador.
Três Modelos de
Contextualizações
Um dos maiores segredos da
contextualização e da vida transcultural é a humildade (Fil. 2:3). Sem este
sentimento é impossível nos despirmos o suficiente do nosso egoísmo e
etnocentrismo (a convicção de que nossa cultura é a única certa) para a
convivência e identificação com as pessoas diferentes de nós. Humildade é
essencial para acertar o caminho da unidade, do amor e do serviço mútuo tanto
em nossas igrejas de origem como trabalhando com equipes e comunidades de
pessoas de outras culturas.
Há três modelos no texto de
Filipenses 2.1-18 que demonstram a importância da humildade para nossa missão
de levar o verdadeiro Evangelho ao mundo.
1. O Modelo de Jesus
Jesus é o
supremo exemplo da humildade na contextualização. Ele é Deus, mas abriu mão de
todos os Seus direitos para poder completar a Sua missão. Tomou a forma de
homem e, em obediência ao Pai, submeteu-se à morte na cruz, a mais degradante e
penosa morte possível, sinal de maldição. A Sua identificação era completa no
sentido de compartilhar a vida cotidiana, da comunicação eficaz e do sacrifício
em favor dos outros. Jesus tomou nosso lugar (Gl 3.6-13) como servo do Pai, dos
homens e das mulheres que Ele veio resgatar da condenação. Paulo exorta a
igreja para ter este mesmo sentimento de se humilhar como Jesus o fez (vs. 5).
2. O Modelo de Paulo
Este apóstolo
entendeu a importância do exemplo de Jesus na sua própria contextualização
missionária. Ele vivia para servir a Deus e aos outros. Não tinha sacrifício
grande demais para ele no cumprimento do seu ministério em levar o Evangelho e
plantar igrejas entre judeus e gentios (vs. 17).
O sacrifício
de Paulo fica claro no relato de Atos 16. 11-40 sobre a sua contextualização em
Filipos. Chegando lá, logo foi procurar o lugar onde tinha abertura com os
judeus e os tementes a Deus. A mulher rica, Lídia, atendeu o apelo da fé em
Jesus e foi batizada com a sua família. Depois, uma jovem possessa foi liberta,
possivelmente se integrando ao grupo. O preço deste milagre foi alto para os
missionários. Foram açoitados e levados à prisão, onde, colocados no tronco,
não se indignaram ou reclamaram seus direitos, mas cantaram louvores a Deus.
O sofrimento
por causa do Evangelho levado à jovem e aos outros ouvintes não sufocou o
louvor e a fidelidade destes servos do Senhor. Paulo e Silas sabiam estar
presentes, achar portas abertas, evangelizar de forma relevante e levar as
pessoas à fé e ao discipulado, sem medir consequências pessoais.
3. O Modelo da Igreja
Além de Jesus
e Paulo, há um terceiro modelo de contextualização, que é a igreja
recémformada. Após a libertação milagrosa da prisão em Filipos, Paulo e Silas
levam o carcereiro à fé em Jesus que também é batizado com a sua casa e se
tornam membros do grupo de crentes em Filipos. Há, então, uma igreja nova,
feita de uma mulher rica e um carcereiro, com suas respectivas casas (que
incluía filhos, escravos e servos), mais uma moça que tinha sido endemoninhada.
É a esta igreja que Paulo roga para ter unidade – rico com pobre, nobre com
funcionário, crianças e jovens com adultos, senhores e escravos.
É através
desta igreja que o mundo, descrito como “geração pervertida e corrupta” (vs.
15), tem que ver a diferença que Cristo faz nas vidas e na comunidade cristã.
Elas não podem ser iguais ao mundo, mas “luzeiros” que resplandecem no escuro
que as cerca.
Em nenhum
momento devemos entender a contextualização de Jesus, dos missionários ou da
igreja como identificação com o mundo. Houve profunda identificação com
pessoas, inclusive identificação sacrificial, mas não incluía adotar os
costumes pervertidos da cultura. A igreja era tão diferente que a glória de
Deus brilhava através das suas vidas e dos seus relacionamentos como se fosse
uma estrela no escuro da noite.
Com estes
modelos, fica claro que a contextualização não é como alguns pensam, uma
identificação com a cultura. É uma identificação profunda com as pessoas da
cultura, sem imitar o que elas fazem para poder levá-las ao discipulado e à
fidelidade à Palavra (vs. 16 – “preservando a palavra da vida”) e ao senhorio
de Jesus Cristo (vs. 9-11). Por necessidade isso vai fazer com que sejam
diferentes da cultura, mas como luzes, não legalistas. Não estarão fechados
dentro de quatro paredes, mas, com humildade, unidos em amor. Juntos mostrarão
a diferença que Cristo faz na vida daqueles que realmente O aceitaram como
Salvador e Senhor das suas vidas.
Fator Melquisedeque
O Fator Melquisedeque é
designação dada a consciência universal da existência de um Deus único, entre
as diversidades de expressões culturais e religiosas dos diferentes povos e
civilizações ao longo da história.
O primeiro a
utlizar o termo foi o teólogo Don Richardson, autor do livro de mesmo nome:
"Fator Melquisedeque", que através de relatos antropológicos expõe um
testemunho de Deus nas culturas através do mundo. Melquisedeque é uma alusão ao
sacerdote "do Deus Altíssimo", considerado Rei de Salém, a qual
haveria de se tornar na cidade sagrada de Jerusalém. Em um relato bíblico, esse
sacerdote-rei, abençoa Abraão, "o pai da Fé", que o oferta a décima
parte dos despojos de guerra ao qual estava retornando. A referência a esse
personagem místico aponta para a existência do culto monoteísta anterior às
grandes religiões atuais.
Conceito
aceito pela Teologia contemporânea, mais especificamente pela Missiologia,
reconhece os hábitos estranhos ao cristianismo, não como barreiras ao evangelismo,
ou ao convívio social, mas como ponte entre visões diferentes de uma mesma
verdade, denominada "substância católica", ou universal.
A revelação
geral é vista como o ato inicial de Deus, o se revelar à humanidade como
criador de todos e de tudo. Esta revelação divina pode ser vista nas religiões
originais de vários povos e tribos remotas, isto é, que estão longe de qualquer
influência estrangeira, em que nelas se encontram noções monoteístas, às vezes,
muito semelhantes à narrativa bíblica. Segundo a própria Bíblia, Deus criou os
seres humanos, mas estes os esqueceram, e o substituíram por deuses menores
(ídolos). Porém, como visto em muitos destes povos, não o esqueceram,
totalmente, tendo alguns deles mantido tradições peculiares, tais como o
sentimento da necessidade de ter seus pecados apagados e a promessa divina de
perdão futuro. Muitos destes povos até mesmo acreditam (ou acreditavam) que um
mensageiro estrangeiro viria, portando um livro no idioma nativo deles, e que,
por meio deste livro, os conduziria à reconciliação com Deus.
Estas noções
encontradas nas culturas e tradições desses povos seriam, segundo Richardson,
um tipo de preparador, para a chegada do Evangelho a eles, tal como a Lei de
Moisés o foi para os judeus.
A revelação
especial, no entanto, é vista como a solução apresentada na Bíblia para o
problema de reconciliação entre Deus e toda a humanidade.
O livro de
Gênesis mostra que Deus revelou-se a Abraão e lhe prometeu uma grande
descendência, e que, por meio de sua descendência, Ele abençoaria a todos os
povos da Terra. Como evidenciado na Bíblia, este propósito foi sendo cumprido
ao longo dos anos chegando ao ápice na pessoa de Jesus Cristo, por meio de quem
veio o perdão de Deus para todos. Caberia, agora, por meio dos cristãos, espalhar
essa solução, há muito esperada, aos povos do mundo, para que o objetivo de
Deus (sobre o qual ele jurou por Si mesmo, a Abraão, que cumpriria) fosse
totalmente realizado.
Richardson
revela que há sete fatos pré-abraâmicos que determinam se uma religião nativa
reteve alguma parte da verdade sobre Deus, apresentada na Bíblia. São elas:
O fato da
existência de Deus;
A criação do
mundo e da humanidade;
A rebelião e
queda do homem: o pecado da humanidade afastou a todos de Deus.
A necessidade
do sacrifício: o sacrifício, como mostrado na Bíblia, simboliza a necessidade
de ter alguém justo pagando pelo pecado de outro, isto é, o bode expiatório.
O grande
Dilúvio: o Dilúvio é apresentado em muitas tradições como o ato de Deus
A Torre de
Babel: a criação e divisão de diferentes línguas e povos;
O
reconhecimento da necessidade humana de ter novas revelações de Deus.
Ele vê estes
sete fatos como o denominador comum entre todas as crenças nativas. As que
possuem pelo menos seis destes fatos, estão mais próximas da verdade; as que só
têm um dos fatos, estão longe demais, tendo deixado o conhecimento da verdade
se perder ou se misturar com ideias diversas.
É importante
notar que ele está se tratando de religiões nativas "originais", isto
é, que sofreram pouco ou nenhum contato com outras religiões, principalmente as
consideradas fabricadas (que não vieram como tradições de um povo inteiro, mas
como ideias individuais, tais como islamismo, budismo etc.).
Richardson foi
influenciado por Wilhelm Schmidt e Andrew Lang no que se refere ao conceito de
monoteísmo em várias religiões mundiais. Neste livro, Richardson cita povos e
tribos, alguns bem remotos, que apresentam esta noção monoteísta, muitas vezes
semelhante ou correspondente à Bíblia. Aqui estão alguns deles:
Os cananeus:
possuíam a ideia de um deus supremo chamado El Elyon que, em nosso idioma,
significa "o Deus Altíssimo";
Os incas:
possuíam um panteão de deuses tão grande quanto o de Atenas, sendo o mais
adorado deles Inti, o deus-sol. No entanto, havia um certo ser chamado
Viracocha, cuja singularidade é resumida pelo Dr. B.C. Brundage, baseado no
relato do rei Pachacuti (quem "descobriu" Viracocha em sua própria
cultura), como segue: “Ele é antigo, remoto, supremo e não-criado. Também não
necessita da satisfação vulgar de uma consorte. Ele se manifesta como uma
trindade quando assim o deseja,...caso contrário, apenas guerreiros e arcanjos
celestiais rodeiam a sua solidão. Ele criou todos os povos pela sua palavra,
assim como todos os huacas (espíritos). Ele é o Destino do homem, ordenando
seus dias e o sustentando. É, na verdade, o princípio da vida, pois aquece os
seres humanos através de seu filho criado, Punchao (o disco do sol, que de
alguma forma se distinguia de Inti). É ele quem traz a paz e a ordem. É abençoado
em seu próprio ser e tem piedade da miséria humana. Só ele julga e absolve os
homens, capacitando-os a combater suas tendências perversas”.
Os santal:
este povo, habitante de uma região ao norte de Calcutá, Índia, apresenta uma
história um tanto semelhante à Bíblia. Segue o relato (resumido) feito no livro
sobre ela:
"'Há
muito, muito tempo atrás Thakur Jiu (que significa "Deus verdadeiro"
na língua santal) criou o primeiro homem, e a primeira mulher, Haram e Ayo, e
colocou-os bem longe, na região oeste da índia chamada Hihiri Pipiri. Ali, um
ser chamado Lita tentou fazer cerveja de arroz e, depois, induziu-os a jogar
parte da cerveja no solo como uma oferta ao demônio. Haram e Ayo se embriagaram
com a cerveja e dormiram. Ao acordar souberam que estavam nus e tiveram
vergonha. Mais tarde, Ayo teve sete filhos e sete filhas de Haram, os quais se
casaram e formaram sete clãs. Os clãs migraram para uma região chamada Kroj
Kaman, onde se tornaram corruptos. Thakur Jiu chamou a humanidade para voltar
para Ele. Quando o homem se recusou, Thakur Jiu escondeu um 'casal santo' numa
caverna no monte Harata, destruindo, a seguir, o restante da humanidade através
de um dilúvio. Tempos depois, os descendentes do 'casal santo' se multiplicaram
e migraram para uma planície de nome Sasan Beda ('campo de mostarda'). Thakur
Jiu os dividiu ali em muitos povos diferentes. Um ramo da humanidade migrou
primeiro para a 'terra de Jarpi' e depois continuou avançando para leste 'de
floresta em floresta', até que altas montanhas bloquearam o seu caminho. Eles
procuraram desesperadamente uma passagem através das montanhas, mas todas se
mostraram intransponíveis, pelo menos para as mulheres e crianças. Naqueles
dias os proto-santal, como descendentes do casal santo, ainda reconheciam
Thakur Jiu como o Deus verdadeiro. Porém, ao enfrentar essa crise, eles
perderam a fé no mesmo e deram o primeiro passo em direção ao espiritismo. 'Os
espíritos dessas grandes montanhas bloquearam nosso caminho', decidiram. 'Vamos
nos ligar a eles por meio de um juramento, a fim de nos permitirem passar'.
Eles entraram, então, em aliança com os "Maran Buru” (espíritos das
grandes montanhas), dizendo: 'Ó, Maran Buru, se abrirem o caminho para nós,
iremos praticar o apaziguamento dos espíritos quando alcançarmos o outro lado'.
Pouco depois, eles descobriram uma passagem na direção do sol nascente'.
Chamaram essa passagem de Bain, que significa 'porta do dia'. Assim, os
proto-santal atravessaram para as planícies denominadas, hoje, Paquistão e
índia. Migrações subsequentes os impeliram mais para o leste, até às regiões
fronteiriças entre a índia e a atual Bangladesh, onde se tornaram o povo santal
dos dias de hoje. Escravos de seu juramento e não por amor aos Maran Buru, os
santal começaram a praticar o apaziguamento dos espíritos, feitiçaria e até
adoração do sol".
Os gedeo:
habitantes do centro-sul da Etiópia, eles criam em um deus supremo chamado
Magano e criam que estrangeiros viriam até eles mostrar como se tornarem íntimos
de Magano e deixarem de adorar a Sheit'an, o ser maligno.
Os mbaka: os
mbaka habitam na Rep. Centro-Africana e creem num deus supremo chamado Koro, o
Criador, que enviou uma mensagem aos seus antepassados dizendo que Ele já
mandara seu Filho para realizar uma coisa maravilhosa em favor de toda a
humanidade. Mais tarde, porém, seus ancestrais afastaram-se da verdade sobre o
Filho de Koro. Com o tempo, eles esqueceram o que Ele havia feito pela
humanidade. Desde a época do esquecimento, gerações sucessivas desejaram
descobrir a verdade sobre o Filho de Koro. Mas tudo o que puderam saber foi que
mensageiros viriam para repetir esse conhecimento esquecido e que eles seriam
provavelmente brancos. Além disso, eles possuíam um tipo de tribo sacerdotal
entre eles e um rito de passagem que começava com um batismo, devendo o
batizado, depois disso, agir como uma criança, com humildade e à procura da
retidão.
Os chineses e
coreanos: ambos os povos criam num deus supremo criador de tudo que não poderia
ser representado por imagens, chamado em seus idiomas de Shangdi (o Senhor do
Céu) e Hananim (o Grande), respectivamente. No caso dos chineses, por exemplo,
a despeito das tentativas feitas pelos imperadores, confucionistas, budistas e
taoistas de privá-lo cada vez mais do conhecimento do povo, Shang Ti continua a
existir até hoje no pensamento popular.
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