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terça-feira, 31 de julho de 2012

UMA ORAÇÃO DA NOITE


SALMO 4

Sl-4.1

O vers. 8 mostra que esta é uma oração da noite, provavelmente um desenvolvimento do verso 4 do Salmo anterior. Mais tarde foi adaptado à música para fins litúrgicos: Neginote, no título, significa "acompanhado por instrumentos de corda".

a) A invocação (1)

Na angústia me deste largueza... Isto implica que foi concedido livramento de um perigo imediato. A vereda estreita e restrita de Sl 2.2 alargou-se vindo a dar num lugar amplo. Todavia, nem tudo está bem. O perigo é menos óbvio e pessoal do que no Sl 3; tornou-se um perigo espiritual e comunal, cuja natureza é esboçada nos versos 2-6. Tem misericórdia de mim. Lit. "mostra-me favor".

>Sl-4.2

b) A representação aos homens (2-3)

Enquanto espera diante de Deus em oração, Davi faz, em meditação, um apelo aos guias do povo (filhos dos homens) que imagina estarem reunidos diante dele. Na perturbação que se seguiu ao fracasso inicial dos rebeldes em organizar prontamente a captura do rei fugitivo, por causa do erro que Absalão cometeu em não seguir o conselho de Aitofel, (ver 2Sm 17.1 e segs.), houve oportunidade para muitos admitirem segundos pensamentos a respeito de apoiar Absalão. Davi, metaforicamente, apela para eles, acusando-os de desonrar a dignidade real que ele recebeu de Deus e recordando-lhes que um antagonismo a Deus desta natureza é extremamente vão (cfr. Sl 2.1) e equivale a buscar a falsidade (2). Que eles considerem de novo que aquele que ama a Deus e a quem o Senhor escolhe é guardado por Ele (3a) e será ouvido por Ele em qualquer emergência (3b).

>Sl-4.4

c) A ordem aos homens (4-5)

Esta é mais direta e positiva do que a acusação precedente. Embora estes homens possam desprezar o rei e rebelar-se contra ele, que eles tomem consciência de que Deus está envolvido, que eles tremam perante o Senhor e não pequem, isto é, se guardem de pecar contra Ele: que cada um dê atenção à sua consciência e nas horas da noite, de recolhimento e reflexão, decidam calar-se, isto é, cessem de continuar a opor-se ao rei escolhido por Deus. Perturbai-vos. A Septuaginta traduz "Irai-vos". Cfr. Ef 4.26. Depois de uma pausa conveniente (Selah) durante a qual o vers. 3 pode ser apreciado de novo, Davi, num espírito em que manifesta a graça real, insta com os guias rebeldes para apresentar a Deus ofertas de sacrifícios como expressão do seu arrependimento e a jurar-Lhe a sua fidelidade. Sacrifícios de justiça. Cfr. Sl 51.17,19; Pv 15.8.

>Sl-4.6

d) A sua oração e louvor (6-8)

No verso 6, Davi reconsidera aquela estranha paralisia da piedade geral que o tinha espantado no Sl 3.2. Era uma evidência do descontentamento popular que tinha sido agravado pelas promessas de Absalão. Davi suplica ao Senhor o cumprimento sobre a nação daquela antiga bênção do sacerdócio arônico (Nm 6.26). Ele também confessa alegremente que, no seu próprio caso, um conflito desesperado tinha sido transformado num sentimento interior da graça divina que ultrapassava, de longe, as bênçãos materiais dos alimentos que lhe foram trazidos pelo velho Barzilai (cfr. 2Sm 17.27-29). Só (8). A palavra hebraica pode significar ou que só Deus lhe dá proteção ou que Deus o faz habitar em segurança quando está só. Ambos os sentidos são aplicáveis neste lugar. 

segunda-feira, 23 de julho de 2012

A ORAÇÃO MODIFICA AS COISAS


SALMO 3

Os Salmos 3-5 estão relacionados como sendo orações da manhã e da tarde. O título deste Salmo indica que o mesmo foi escrito quando Davi fugia de Absalão, o usurpador. A tristeza de coração do rei (1) nasceu da surpreendente magnitude da rebelião (cfr. 2Sm 15.13) e também do sentimento prevalecente entre o povo de que Davi não mais continuaria a receber auxílio de Deus (2), tão desesperada parecia a sua posição. A parte restante do Salmo distingue-se do sumário precedente da situação pela palavra selah, que sempre parece indicar uma mudança no modo, uma pausa no cântico ou uma alteração ao acompanhamento musical. Esta palavra foi inserida algum tempo depois do poema ser composto com o fim de o adaptar para o uso nos serviços do templo. Os versos 3-8, que exprimem a reação de Davi ao desenrolar esmagador dos acontecimentos, são uma manifestação sublime de inextinguível confiança em Deus.

Pode considerar-se o poema dividido em três partes.

a) Abatimento ao cair da noite (1-4)

Os acontecimentos sombrios do dia (1-2) são resumidos na oração da noite e deixados com o Senhor com a confiança de que Ele tem ouvido e prestado atenção. Tu, Senhor, és um escudo (3). Cfr. a promessa de Deus a Abraão (Gn 15.1). A confiança de Davi em Deus baseia-se na Sua fidelidade anterior, embora esta tenha estado associada com o Seu Santo monte (4), do qual agora Davi é obrigado a sair (cfr. Sl 2.6). Era este conhecimento do Senhor que lhe tornava possível dormir.

>Sl-3.5

b) Fé vigorosa de manhã (5-6)

O Senhor me sustentou (5). A frescura e o vigor do corpo e a serenidade da fé com que o escritor acordou na manhã seguinte deviam-se a uma certeza implícita da misericórdia e do poder preservador de Deus. Isto não só despojou as circunstâncias pressagiosas de qualquer poder de intimidar como também deu motivo à reivindicação de um triunfo real sobre as mesmas. Isto é, como na seção anterior, uma descrição dos sentimentos pessoais é seguida de uma oração ao Senhor. Ver o contraste com 2Sm 15.30.

>Sl-3.7

c) Um apelo a Deus (7-8)

Este apelo é motivado pelo perigo ainda existente mas é formulado como se a petição estivesse já concedida (cfr. Mc 11.24). Termina com uma afirmação da soberania divina no assunto da salvação que evoca uma bênção final e intercessória. Esta bênção deverá ser derramada contra o desapontamento sentido pelo povo nos vers. 1-2.

sábado, 14 de julho de 2012

UMA ORAÇÃO DE ANGÚSTIA

SALMO 6

A primeira parte do título (Sl 4) refere-se ao regente dos instrumentos de corda. A outra frase, sobre Seminite,  que significa "em tom de oitava" (cfr. #1Cr 15.21), refere-se provavelmente a uma marcação que era uma oitava inferior à usual. Moffatt traduz: "harpas reguladas para vozes baixas".

A ansiedade e a tristeza reduziram Davi à paralisia do desespero próprio em que o seu único remédio é uma confiança implícita na misericórdia de Deus. A ocasião pode ter coincidido com #2Sm 15.1-6. O poema divide-se em quatro partes.

a) O caráter angustioso da situação (1-3)

A repetição e o paralelismo do verso 1 cria um sentimento de tristeza e de tensão. Em primeiro lugar, há um conflito entre o ideal e o real. A acentuação sobre a ira da repreensão de Deus e o desprazer aflitivo do Seu castigo implicam numa tensão na mente de Davi que resultava da sua ignorância da causa da ira divina.

Em segundo lugar, o sofrimento de Davi não só é psicológico (porque sou fraco, "debilitado" -SBB) mas também físico (os meus ossos estão perturbados); isto é, a sua vida está franzida pela aridez e frialdade das circunstâncias em que se encontra e também por causa da aparente não intervenção de Deus. Isto dá motivo ao escárnio dos seus inimigos e enche a sua mente das sombras incertas da dúvida. Todavia, ele crê que Deus pode curar o seu corpo em desequilíbrio e que está atormentado pela doença.

Em terceiro lugar, a angústia da sua alma (3) é maior do que qualquer outra coisa. Ele sente-se apanhado entre a intensidade da sua tribulação e a incerteza das suas causas e da sua duração. Senhor, até quando? (3) Não se trata de uma pergunta petulante a respeito dos propósitos de Deus mas uma expressão pungente do seu coração em agonia. Cfr. #Jó 7.3-6; #Jó 16.9-16.

>Sl-6.4

b) A petição (4-5)

O fundamento dos seus rogos a Deus move-se agora da experiência pessoal e da necessidade humana para assuntos não temporais e para o caráter divino. Volta-te (4) pode ter o significado de "repete", isto é, livra-me como o tens feito em emergências anteriores (do que o verso 8 pode ser um reflexo). Por tua benignidade (4). A súplica por salvação baseia-se no caráter de Deus essencialmente compassivo. Cfr. #Êx 34.6.

>Sl-6.5

O verso 5 introduz uma razão para fortalecer os rogos pela salvação. Se Davi vivesse, poderia recordar Deus com ações de graças. Mas no sepulcro ("Seol", que significa o lugar dos mortos) ele não poderia fazê-lo. Cfr. #Sl 30.9; #Sl 88.10; #Is 38.18. O uso, aqui feito, de um argumento baseado no que se situa fora da existência terrena, é a contrapartida do argumento inicial (1) fundamentado na crença de que o julgamento espiritual se expressava em termos de prosperidade ou miséria pessoal. Ambas eram suposições erradas, mas não invalidam de forma alguma o apelo fundamental à misericórdia de Deus.

>Sl-6.6

c) As circunstâncias da aflição (6-7)

Há aqui um regresso, numa forma diferente, ao modo como se apresentam os primeiros versos. A lamentação diária é expressada na imagem de lágrimas intermináveis e do cansaço dos olhos encovados. De um lado, manifesta-se o seu próprio sofrimento (6) e do outro, pensamentos vexatórios acerca daqueles que o odeiam (7). Tudo isto lhe rouba o sono e fá-lo parecer prematuramente velho.

>Sl-6.8

d) A visão de fé (8-10)

Estes versos interpretam-se melhor como uma experiência antecipada daquilo que é mais desejado. Pode apresentar-se colorido pela recordação de ocasiões anteriores, mas, primariamente, trata-se de um sentimento intuitivo de um cumprimento que é ainda futuro. O verso 10 é uma expectação, daquele cumprimento, mais sóbria mas igualmente confiante; aqueles que se lhe opõem serão transtornados pela contradição óbvia do que esperam. Em lugar da perturbação da sua própria alma (3) eles é que se perturbarão. A intervenção de Deus, em resposta aos seus rogos (2-5), inverterá todos os seus valores e lançá-los-á em confusão de uma forma absoluta e inesperada (cfr. #Sl 35.4-8; #Sl 83.13-17; notem-se passagens do Novo Testamento como #2Ts 2.4-10; #2Pe 3.3-10).

segunda-feira, 9 de julho de 2012

A CONFIANÇA DE UMA FÉ MADURA


SALMO 71

Este Salmo não tem título, ainda que a Septuaginta o atribua a "Davi", aos fi1hos de Jonadabe, e àqueles que primeiramente foram levados cativos, o que parece ligá-lo com os primeiros anos do exílio (cfr. Jr 35). Trata-se da oração de um homem idoso (9,19), e existe certa doçura e serenidade nela que é a característica de uma longa vida passada na dependência de Deus (cfr. 5,17). Porém, não há indicação sobre a autoria, excetuando a familiaridade do escritor com muitos outros salmos, especialmente os Sl 22 (cfr. vers. 5-6); Sl 31 (cfr. vers. 1-3): e Sl 35 (cfr. vers. 13-14,19).



Há um distinto paralelo entre os vers. 1-9 e os vers. 10-18. O restante do Salmo tem uma estrutura diferente, mas também se divide em dois grupos correspondentes à seção anterior.



a) Comunhão íntima com Deus (1-9)



A calma dignidade e a confiança desses versículos são inequívocas. O apelo solicitando a ajuda divina é introduzido numa frase cheia de gentileza (2) bem diferente dos gritos imperativos e impetuosos dos Sl 22; 35; 54; 69; 70 e está entrelaçado com a apreciação do fato que Deus sempre o tem salvaguardado (3). A característica principal desta seção é o espírito de adoração para com o Senhor: cada um dos primeiros oito versículos fala sobre Ele em tons de fé e gratidão.



Em ti, Senhor (1); tua justiça (2); tu és a minha rocha (3); meu Deus (4); tu és a minha esperança (5); tu és aquele (6); tu és o meu refúgio forte (7); teu louvor... tua glória (8). A passagem inteira prepara o caminho para a petição pessoal do vers. 9. Sou como um prodígio para muitos (7). Ou por causa de sua confiança em Deus por toda a vida, o que não o livrara do perigo e da opressão, ou por causa de suas marcantes experiências de livramento anterior do perigo.



Sl-71.10



b) Resolução, a despeito da angústia (10-18)



Estes versículos são, realmente, outra versão da oração anterior, ainda que tenham uma perspectiva mais lata e mais adiantada. O escritor volta-se para considerar seus inimigos (10), bem como aqueles que formam a próxima geração (18); é desejado o julgamento (13); a esperança é uma inspiração (14); o louvor é previsto (15-16); e o trabalho é antecipado (18). Contraste-se o ponto de vista para o passado, do vers. 6. Seus inimigos acreditam que o Senhor o abandonara e estão prestes a atacá-lo (11). Eis o motivo por que a oração dos vers. 2 e 3 é urgentemente repetida nas palavras: Ó Deus, não te alongues de mim (12). A confissão anterior de esperança é reiterada no vers. 14. A antecipação de louvor incessante, a respeito da glória de Deus (8) é agora reforçada por uma vida inteira de divina tutela (17). Finalmente, o lamentoso grito do vers. 9 é transformado no vers. 18; a possibilidade anterior das suas forças falharem se torna indefinidamente adiada, até que o trabalho de uma vida inteira seja realizado.



Os versículos restantes deste Salmo devem ser distinguidos dos anteriores: neles não há qualquer referência direta à juventude e à velhice, à perseguição, ou à necessidade de livramento imediato.



Sl-71.19



c) Esperança em Deus (19-21)



O sentimento destes versículos é comparável ao dos vers. 1-10. Não apenas existe uma bem real consciência dos atos anteriores da compaixão de Deus (19-20; notar o uso repetido do termo também), mas também há certo parentesco de pensamento. Por exemplo, foi a grandeza da santidade de Deus (19) que provocou a oração, inclina os teus ouvidos (2). Novamente, a noção de renascimento, desde os abismos da terra (20), isto é, livramento das portas da morte, é uma extensão do pensamento sobre o nascimento físico (6; cfr. Sl 139.15): ambas as coisas são consideradas como obras de Deus. Além disso, a grandeza do salmista, que ele ora seja aumentada (21) é, primariamente, a rica qualidade de seus anos maduros (cfr. vers. 9). Num sentido secundário, talvez também signifique o prestigio nacional; como texto alternativo, o vers. 20 emprega o pronome plural, ou seja, "nos tens feito ver", "nos darás" e "nos tirarás". Suas palavras, de novo me consolarás, podem ser consideradas como uma variação do vers. 9, ainda que talvez também tenha uma interpretação adicional, como se fosse uma oração nacional (respondida em #Is 40.1).



>Sl-71.22



d) Louvor e adoração (22-24)



Nesta última porção a ênfase recai sobre o futuro, como nos vers. 14-18 (o pronome "eu" é destacado tanto no vers. 14 como no vers. 22). Porém, em lugar de inimigos e conspirações, temos os instrumentos de louvor, o saltério e a harpa. Ele confia na resposta à oração expressa no vers. 12, e, portanto, exalta a verdade (isto é, a fidelidade) de seu Deus (22). Anteriormente ele tinha olhado esperançosamente a oportunidade de declarar a tua salvação todo o dia (15); mas agora ele segura-se na certeza de poder assim fazer, pois a redenção de sua alma é motivo bastante para falar todo o dia (24). Finalmente, o espírito de adoração é realçado pelo título ó Santo de Israel (22; no saltério somente encontrado também em #Sl 78.41 e #Sl 89.18), pois a santidade de Deus, acima de todas as coisas, é que serve de inspiração para este regozijante louvor (cfr. #Jo 15.9-11).