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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O LIVRO DE JOSUÉ



INTRODUÇÃO

Diz-se que a história do mundo é a história dos grandes homens. Algo da história do mundo encontraremos, pois, na história de Josué, precisamente no livro que tem o seu nome: "Livro de Josué". Começando pela vocação divina e pela missão que lhe foi confiada, acaba o livro por descrever a morte do grande chefe, cujo nome anda ligado à conquista de Canaã na história do famoso povo de Israel.

I. QUEM ERA JOSUÉ

Vários fatores guindaram Josué à chefia do povo escolhido do Senhor. Era descendente da família de José, tão prestigiada na história de Israel. O seu avó Elisama fora orientador da tribo de Efraim através do deserto e talvez encarregado do corpo embalsamado do seu antecessor, para condignamente ser sepultado na Terra da Promissão. O contacto que teve com a civilização e a cultura egípcias (já que no Egito nascera e tomara parte no êxodo: #Nm 32.11 e segs.), preparou-o, como aliás a Moisés, para a grande missão de dar a estrutura e a independência a um novo país. É de frisar como numa das suas últimas proclamações ao povo, lhe lembrou que os seus antepassados prestaram culto a outros deuses no Egito (#Js 24.14). Como auxiliar principal e adjunto de Moisés, em íntimo contacto com ele no cargo de orientador do povo, Josué estava naturalmente indicado como sucessor daquele de quem tanto recebera e com quem tanto aprendera na dura travessia do deserto.

Perante as informações de Calebe, mostrou-se corajoso e homem de fé excepcional, desprezando o relatório apresentado pelos outros dez espias. Confiança no Senhor, acima de tudo.

Já em Refidim mostrara as suas qualidades invulgares de militar, chefiando as tropas israelitas que repeliram um repentino ataque dos amalequitas, desencadeando contra a retaguarda dos hebreus, composta quase exclusivamente por mulheres, crianças e bagagem (#Dt 25.18). Levou-os de vencida Josué e, talvez como recompensa, serviu-se o Senhor da sua intervenção para responder às suplicas de Moisés no alto do monte (#Êx 17.8 segs.).

Eis a largos traços o homem, de cujos dotes naturais, educação e experiência Deus se serviu para chefiar um grande povo e introduzi-lo na Palestina. De nada lhe serviriam, porém, tais qualidades, se a força dinâmica de que dispunha não revelasse a presença de Deus. Foi na realidade ao chamamento do Senhor que brotaram quase em tropel as suas poderosas energias, que haviam de conduzir à soberania de Israel um homem escolhido por Deus. Enfim, estamos em presença dum soldado que se revestiu da completa armadura do Senhor.

II. AUTOR E AUTENTICIDADE DO LIVRO

É de importância extraordinária o lugar atribuído a Josué no Cânon hebraico. A princípio colocavam-no no grupo de livros chamado "Os primitivos profetas", que incluíram Josué, Juízes, Samuel e Reis. Se na opinião da crítica moderna, a Josué e ao Pentateuco se atribui uma data posterior, admitindo-se serem compilados de numerosos documentos de diferentes datas, já num período muito avançado da história judaica, é de qualquer modo para admirar que o antigo Cânon hebraico considerasse Josué como o primeiro daquele grupo. Por outras palavras, a teoria dos documentos quase exige a substituição do Pentateuco pelo Hexateuco, solução adotada pela crítica, mas que não corresponde ao antigo Cânon. De resto, não é fácil compreender-se como é que os mesmos editores se entregaram, numa data posterior, à tarefa de compilar não só o Pentateuco, mas também Josué.

Mas é curioso observar que muitos críticos modernos não fazem qualquer alusão ao Hexateuco. Ainda que as fontes fossem as mesmas em Josué e no Pentateuco, haveria, no entanto, a distinguir documentos diferentes: o D para Josué e o P para o Pentateuco. Nunca, todavia, qualquer motivo para a separação do antigo Cânon, pois a crítica moderna distingue as mesmas fontes em Josué e no Pentateuco.

Em segundo lugar, a Arqueologia é mais favorável a Josué e à conquista de Canaã do que propriamente ao Pentateuco. Seja como for, sobre um e outro vem trazer luz as recentes escavações, nomeadamente a comprovar a autenticidade das descrições históricas. "Graças a investigações arqueológicas em muitas localidades bíblicas", escreve o famoso arqueólogo Albright no seu livro Archaeology of Palestine, pág. 229, "é possível estabelecerem-se a época e o significado histórico de muitas listas de cidades bíblicas. Sirva de exemplo o caso da lista de cidades dos levitas em #Js 21 e #1Cr 6, que o crítico Wellhausen, considerou produto artificial da imaginação de algum copista do período que se seguiu ao exílio. Mas, à luz de fatos comprovados pela Arqueologia, chega-se à conclusão de que a lista dessas cidades é muito mais antiga: entre 975 e 950 A.C. e uma pré-história que remonta à conquista". Outros comentadores, tal como G. E. Wright no livro The Study of the Bible Today and Tomorrow, seguem esta mesma opinião extensiva a mais listas de cidades, e também às fronteiras mencionadas em Js 15-19, admitindo-se que não há razão alguma para se atribuir as listas daquelas cidades a escritores que viveram depois do exílio.

Finalmente, nada há que obste a recorrermos a muitos argumentos internos para defender a nossa tese. No dizer do Reitor Douglas em "The Book of Joshua", a referência à "grande Sidom" e à "forte Tiro" (#Js 11.8, 19.28-29) supõe que o autor dessas linhas viveu na época em que Sidom era a principal cidade dos fenícios, mesmo superior a Tiro, que só mais tarde se tornou sua rival. É o período em que uma ou várias pedras começam a ser utilizadas como lembrança de qualquer acontecimento célebre registado no local, onde essa ou essas pedras se encontravam. Assim sucedeu na travessia do Jordão, na sepultura de Acã, e de outros reis, em Siquém (#Js 24.26), o altar (#Js 22.10,34), etc. A alusão que se faz à distribuição das terras pelas diferentes tribos é exposta de tal modo que supõe um autor contemporâneo. A mais completa descrição é a que se refere a Judá, a tribo que primeiro se fixou e que provavelmente cumpriu melhor o seu dever, sob a orientação do fiel e dedicado Calebe. Judá é, em princípio, apresentado como uma grande possessão, tal como José. Depois é-nos contado como a possessão de Simeão foi tirada de Judá; deduz-se que Dã foi tirado de ambas as casas fortes (Judá e José).

Podemos, pois, concluir que, não podendo determinar absolutamente o autor do livro, é evidente que as fontes donde deriva eram contemporâneas dos acontecimentos descritos e, mais ainda, que a forma atual do livro remonta a uma época muito recuada.

III. DATA DA CONQUISTA DE ISRAEL

Os fatores determinantes que nos levam ao conhecimento da data em que Israel conquistou Canaã são dependentes, apenas das investigações arqueológicas. Duas teorias surgem, baseadas nos textos bíblicos e naquelas investigações, para solucionar o caso, se bem que nem todas as dificuldades possam ser facilmente aplanadas.

Garante-nos o #Êx 1.11 que durante o exílio no Egito construíram os israelitas para o Faraó "cidades de tesouros", tais como Pitom e Ramessés. Ora, há quem afirme serem essas cidades fundadas por Ramessés II (1300-1224 A.C.), o suposto Faraó da opressão, enquanto o seu sucessor Meremptá governava na altura do Êxodo. Isto levaria a admitir-se a entrada em Canaã cerca de 1230 A.C. (Para exame dos argumentos apresentados em mais pormenor, deve consultar-se a "Introdução" ao livro de Juízes neste comentário).

Mas sucedeu que em 1896 foi descoberta uma inscrição de Meremptá (cerca de 1200 A.C.) aludindo a algumas das suas conquistas e falando de tal modo em Israel, que nos leva a supor (ainda que não haja unidade entre os eruditos) que os israelitas não se encontravam já no Egito, mas, possivelmente, instalados na Palestina, numa comunidade organizada e definitiva. Não obstante a oposição dalguns comentadores, outro tanto se pode demonstrar duma inscrição de Ramessés II que dá a idéia de ser Aser uma tribo da Palestina. Mas torna-se difícil, por outro lado, compreender que em tão curto espaço de tempo já se tivesse conquistado a Terra e se tivessem fixado os israelitas em Canaã tal como incluir o governo dos Juízes antes de se instaurar a monarquia.

A identificação, portanto, de Pitom e Ramessés com Ramessés II não é provável, ou pelo menos torna-se muito difícil.

Outra alternativa tem origem em #1Rs 6.1, onde se acentua que o Êxodo teve lugar 480 anos antes de Salomão começar a construir o templo. Como esta data foi fixada em 967 A.C., segue-se que os israelitas invadiram Canaã cerca do ano 1407 A.C..

Garstang, outro erudito, no livro "Joshua-Judges", afirma que se pode confirmar esta teoria com referências egípcias. Diz que dificilmente se daria a invasão de Canaã numa altura em que o Egito a controlava, podendo defendê-la com o seu poderio. Sem entrar em pormenores nos argumentos apresentados, há paralelos destacados entre a história de Israel, tal como no-la recorda o livro de Juízes e os momentos de prosperidade e decadência do Egito contemporâneo, talvez seja suficiente afirmar que essa data deve coincidir com as cartas de Tell-el-Amarna (cerca de 1400 A.C.). Descobertas em 1887, chegou-se à conclusão de que essas cartas continham a correspondência entre os oficiais egípcios na Palestina ou noutras regiões e o governo central no Egito e frisavam o declínio da influência egípcia em face do avanço do Império Hitita. Seria nesta ocasião de declínio do Egito que provavelmente se deu a entrada de Israel em Canaã. Que esta se registrasse cerca do ano 1400 A.C., dizem outros não ser plausível pelo fato de não haver qualquer alusão à fundação das cidades de Pitom e Ramessés no séc. XIII, precisamente no reinado de Ramessés II. Mas na realidade, foram essas cidades fundadas pelos israelitas, embora mais tarde restauradas com o mesmo nome em honra de Ramessés II, depois de terem os israelitas abandonado o Egito.

IV. O PROBLEMA MORAL NA GUERRA DE ISRAEL

O extermínio total dos cananeus, registado no livro de Josué, surpreende bastante certos comentadores, que a essa descrição bíblica não querem retirar a inspiração divina. Poderemos, com efeito, acreditar nas ordens de Jeová para destruir completamente os habitantes do país? Em caso afirmativo, estará esta revelação de acordo com a revelação que Cristo nos fez do Pai?

Duas soluções apontam os críticos modernos. Afirmam uns que a narração do extermínio dos cananeus foi escrita muito depois dos acontecimentos, idealizando o que teria sucedido para que o culto de Jeová se conservasse puro. Por outras palavras, as atrocidades cometidas não se registraram realmente. Outros críticos então opinam que a revelação de Deus, conservada na primitiva história religiosa de Israel, é a revelação do próprio Jeová, limitada pela capacidade daqueles que a receberam e que o fato de ordenar a destruição dos cananeus representa uma fase bastante primitiva do desenvolvimento religioso.

Ao considerarmos a autoria e autenticidade do livro de Josué, já apresentamos algumas razões que nos levam a não admitir à primeira daquelas hipóteses. Quanto a segunda, há a considerar que se supõe terem-se os israelitas enganado, quando pensaram que Jeová, o seu Deus particular, naturalmente admitia a hipótese de poderem ser eliminados todos os inimigos do Seu povo. Uma revelação posterior (do livro de Jonas, por exemplo) devia mostrar como Deus não deixa de possuir entranhas de amor e misericórdia para com as nações que não fazem parte da comunidade de Israel, ultrapassando-se deste modo a revelação primitiva. É uma teoria, na realidade aliciante, mas que não vem solucionar definitivamente o problema. Também é certo que o conhecimento de Deus se foi aperfeiçoando cada vez mais entre o povo e que, quando muito, o Velho Testamento apenas proporcionava uma parte da revelação divina. Mas o que não podemos crer é que uma revelação posterior venha contradizer uma outra já existente. Deus pode revelar-se progressivamente, mas falo com toda a consistência, para que possamos admitir essa revelação.

Será fácil, então, encontrar uma explicação viável, que não desacredite a inspiração da narrativa nem o seu Autor que a revelou? Antes de mais é necessário ter uma idéia clara do que pode significar a devoção dos cananeus à destruição. Falando, por exemplo, dos habitantes de Jericó, diz-se que a cidade e todos os seus habitantes foram "dedicados" ou "amaldiçoados" (em hebraico: herem). Quer isto dizer que tudo aquilo que pudesse comprometer a vida religiosa da comunidade devia ser afastado, para se evitarem maiores males. O melhor e talvez único meio de o fazer era exterminar isso por exemplo. Parece, pois, que o "anátema" ou "extermínio" tinham uma finalidade religiosa e ao mesmo tempo preventiva: defender o culto religioso e a vida dos israelitas. É neste sentido que se deve procurar uma solução para o problema.

A destruição dos cananeus foi, então, em princípio, um benefício de caráter religioso, conforme no-lo afirma insistentemente o texto sagrado, sendo o povo israelita o instrumento pelo qual Deus castigava os perversos habitantes da terra. Assim como destruíra Sodoma e Gomorra pela mesma espécie de corrupção sem necessidade de recorrer a instrumentos humanos, agora se serviu dos israelitas para punir e desarraigar severamente a depravação cancerosa dos cananeus. Se na realidade o mundo é governado por uma superior lei moral, não podemos deixar de admitir que a justiça se cumpra, quando necessária.

Note-se ainda que o extermínio, como necessidade religiosa, impunha restrições morais (roubo, despojos), que seriam de admitir noutros casos. Não era o prazer do sangue e da chacina; apenas uma ordem divina a cumprir.

Falemos agora da segunda finalidade do extermínio, de caráter preventivo. Se a religião dos hebreus devia conservar-se pura e imaculada, toda e qualquer possibilidade de impureza tinha de ser afastada. Como? Só com medidas drásticas. Mas se os hebreus tinham por missão transmitir ao mundo a Revelação divina, como explicar essa atitude perante os outros povos? E se Israel também transgrediu, por que não sofreu idêntico castigo? Uma coisa é certa: Para que Deus pudesse manter o Seu governo moral e para que Israel transmitisse a mensagem divina ao mundo, convinha que se eliminassem os povos contrários a essa mensagem.

V. A DOUTRINA RELIGIOSA DO LIVRO

O valor religioso de qualquer livro mede-se pelas respostas: que nos diz a respeito de Deus este livro? Que verdade divina nos vem anunciar? Três aspectos pelo menos das relações de Deus com o homem. Vejamo-los:

a) A fidelidade de Deus

Já há muito se falava na promessa feita a Israel de que um dia viria a ser senhor da Terra Prometida. Mas o homem desobedecera e pecara. Iria porventura ser privado daquele privilégio? Não. Os planos de Deus são infalíveis. E a promessa cumpriu-se. Como? percorramos as páginas do livro de Josué.

b) A santidade de Deus

Podemos admirá-la no castigo infligido aos primitivos habitantes da terra. A iniqüidade dos amorreus atingira o ponto culminante e Israel foi escolhido para castigar os seus crimes. Mas a santidade de Deus exige que seja santo também o Seu instrumento. A guerra é também santa, pois só pretende salvaguardar a santidade do instrumento e, no fim de contas, honrar a santidade da mão que o orienta.

c) A salvação de Deus

A palavra Josué significa "Jeová é a salvação" e é a forma hebraica de Jesus, o nome que está acima de todos os nomes. Será de surpreender que Josué tenha sido uma "figura" ou um "símbolo" de Cristo? Por certo que não! E o livro não simbolizará também a nossa vitória em Cristo? A travessia do Jordão era a morte; mas, para além dele, raiava uma aurora de plenitude, de felicidade e de bênção, que também a nós está prometida. "Temamos, pois, que porventura, deixada a promessa de entrar no Seu repouso, pareça que algum de vós fica para trás" (#Hb 4.1).

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Deus é o Senhor das Tentações?



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Séculos de tradição religiosa tem insistido em que Deus não pode ser o autor do pecado. Eu tenho refutado isto em um número de lugares.[1] Existe a aceitação de que para Deus ser a causa metafísica direta de todo o mal comprometeria a Sua retidão. Eu tenho demonstrado que isto não tem base e não é inteligente, e negar que Deus é o autor do pecado é negar também a Sua soberania e providência. De fato, é um ataque ao Seu próprio Ser e posição como Deus.
Pois que todo acontecimento, seja bom ou mal, tem de ter uma causa metafísica. Se não existe causa, então este acontecimento seria ele próprio Deus; contudo, não estamos falando sobre Deus, mas sobre o que acontece na Sua criação. Se a causa não é Deus, então deve ser alguma outra coisa. E se for alguma outra coisa, então este acontecimento e a sua causa estão fora do controle direto de Deus. Isto é uma forma da heresia do dualismo, a de que existem duas ou mais forças mais elevadas trabalhando no universo, talvez uma para reger o bem e a outra para reger o mal. É uma filosofia pagã, e é resultado da doutrina de que Deus não é o autor do pecado.
Todos os tipos de aceitações arbitrárias são contrabandeadas para dentro da discussão. Algumas pessoas pensam que para Deus ser o “autor” do pecado é o mesmo que Ele “cometer” pecado – isto é, para Deus causar o mal no sentido metafísico seria para Ele o mesmo que praticar o mal no sentido moral. Mas esta suposição é destruída apenas por se afirmá-la claramente deste modo. É óbvio que as duas pertencem a duas diferentes categorias de ações e acontecimentos. Acrescentando, uma vez que Deus é quem define o Bem e o mal, para Ele cometer o mal, Ele antes deve estabalecer que seria um mal Ele fazer tal coisa, e então ir adiante e fazê-la. Em outras palavras, a menos que Deus desaprove a Si mesmo, então o que for que Ele faça é justo por definição. Não cabe aos teólogos definir o mal para Ele, dizendo-Lhe que, mesmo sendo Deus sobre todas as coisas, Ele não deve reinar diretamente sobre o mal, mas que Deus tem que ser Deus somente sobre o bem, e satã deve ser o deus sobre o mal, para reger um reino que o próprio Deus não pode tocar. Tal doutrina é uma blasfêmia da mais alta categoria. Insistimos que Deus é o autor de todas as coisas; portanto Deus é o autor do pecado.
Algumas pessoas fazem a objeção de que se Deus controla diretamente todas as coisas, então isto se transforma na doutrina do panteísmo. Esta objeção nos economiza tempo porque ela imediatamente nos mostra a falta de inteligência deles e a sua habilidade inferior como pensadores, de modo que não os levaremos muito a sério daqui para frente. A objeção brota do absurdo princípio de que Deus se identifica com o que Ele controla, de modo que se Deus controla diretamente todas as coisas, então Ele é identificado com todas as coisas, o que é panteísmo. Sendo esta aceitação arbitrária e sem justificativa, nós eliminamos a objeção simplesmente pela exposição e rejeição da hipótese.
A pessoa que exibe a suposição é então deixada com um infeliz dilema. Ou seja, já que eles assumem que Deus se identifica com aquilo que Ele controla, então eles têm de negar que Deus controla diretamente qualquer parte da Sua criação, ou têm de afirmar que Deus é identificado com qualquer coisa que Ele tenha controle direto. Eles precisam então afirmar que Deus não tem controle direto sobre qualquer coisa, ou que Deus é identificado com pelo menos uma parte da Sua criação. Qualquer das duas opções faria deles não-Cristãos. Em sua tentativa de apresentar uma objeção inteligente contra a total soberania de Deus e controle direto sobre todas as coisas, eles se tornaram pagãos e heréticos.
A tradição antibíblica e irracional de que Deus não pode ser o autor do pecado subestima o Seu poder e necessidade quando se trata da existência e funcionamento da criação. Parece que as pessoas pensam que Deus é apenas uma pessoa muito boa, e o diabo uma pessoa muito má. Mas a diferença é muito maior que isto. Deus não é unicamente a força oposta na mesma categoria de satã, mas Ele está numa categoria completamente diferente. Ele é o poder direto e necessário e contínuo em todas as coisas. O próprio satã depende do poder direto e constante de Deus para lhe causar cada um dos seus pensamentos e movimentos. Sem Deus, nada pode existir ou continuar a existir, e sem Ele, absolutamente nada pode acontecer, seja bom ou mau.
Tiago não pode estar tentando distanciar Deus da existência do mal, ou dizer que não é o autor do pecado, porque a questão não faria sentido aqui quando o contexto explícito diz respeito a provações e tentações. Como demonstrarei adiante, não faria sentido, primeiro, porque a questão não seria condizente com o que o restante da Bíblia ensina, e, segundo, porque ele não teria sucesso em defender a questão assim – este não é o modo de resolver o assunto. Em outras palavras, se Tiago está tentando de algum modo “exonerar” Deus do mal, o resto da Bíblia mostra que Deus não precisa ser exonerado, e que mesmo que precisasse, Ele não poderia ser exonerado pelo que se afirma. Se Deus parece ser “culpado” pela existência do mal e da tentação, este texto nada faz para anular isso. Mas nada há de errado com Tiago. O problema real é que a passagem tem sido mal interpretada – ele não está afirmando o que as pessoas fazem-no dizer.
Deus sempre tem sido revelado como alguém que leva as pessoas à tentação. Nós reconhecemos que há diferenças entre um teste de sofrimento, um teste de obediência e um teste de sedução. Mesmo parecendo que o último seja o de maior relevância, é bom que se inclua todos eles nesta discussão por duas razões. Primeira, eles não são completamente separáveis, visto que, por exemplo, um teste pode ter a ver com a persistência em obediência de uma pessoa diante da sedução. Isto descreveria a tentação que Adão e Eva experimentaram. Segunda, e apoiada pela primeira razão, mesmo um teste de sofrimento, ou de obediência, pode ser o que é simplesmente porque ele apela para o desejo de uma pessoa, até um desejo mal, de modo que passar no teste ou suportar com sucesso a dificuldade requer uma medida de autocontrole, ou uma negação dos próprios desejos. Assim sendo, todos os tipos de teste são relevantes para o texto de Tiago, de modo que o controle de Deus sobre estes tipos de testes também podem ser citados para lançar luz à discussão. Contudo, a inclusão não se faz necessária, mas serve apenas para produzir uma explicação mais abrangente, uma vez que veremos que Deus controla até o teste de sedução e guia as pessoas para os enfrentar.
Consideremos o teste de Abraão (Gn 22). Deus ordenou-lhe que sacrificasse o seu filho Isaque. A criança era o cumprimento da divina promessa. Não havia uma boa razão para que ele perecesse; sem dúvida, a Escritura diz que Abraão acreditou que se ele sacrificasse Isaque, Deus o levantaria das cinzas. A questão aqui é que Deus instituiu o teste e criou a oportunidade para Abraão pecar. E mesmo ele crendo que a criança seria levantada da morte, Abraão teria pecado se tivesse permitido que seu desejo de isentar o seu filho da provação sobrepujasse o seu desejo de agradar a Deus. De qualquer modo, Deus, e somente Ele, instituiu o teste e levou o patriarca a uma possível rebelião. Abraão não concebeu isso. Satã estava fora disso.
Em 2 Sm 24.1, a Bíblia diz que Deus incitou Davi a pecar por efetuar o censo. Então, em 1 Cr 21.1, está dito que foi satã quem incitou Davi a isto. Estranhamente, considerando a passagem em Tiago, um comentarista escreve que 1 Cr 21.1 revela a “causa real” de 2 Sm 24.1. Dependendo do que ele tem em mente, isto é no mínimo uma observação descuidada. Se Deus foi quem dirigiu satã a incitar Davi ao pecado, então como Deus não é em certo sentido, e num melhor sentido, a causa “real”? Dada a teologia do comentarista, ele talvez devesse dizer “causa imediata”. Contudo, eu ainda discordaria do uso de “causa imediata”. Exatamente como nós vivemos, nos movemos e temos a nossa existência em Deus, o próprio Satã não pode ser a causa imediata de coisa alguma de modo a descartar a causação direta de Deus. Neste sentido, Deus é a causa única ou imediata de qualquer objeto, pensamento ou acontecimento, seja bom ou ruim. As criaturas são, no máximo, a causa relativa, aparente, perceptível ou descritiva. Segue-se daí que quando se trata de metafísica, não existe uma “causa secundária” – as palavras “secundária” e “causa” são ambas enganadoras. O termo pode, no máximo, se referir a uma causa relativa ou aparente, uma relação perceptível entre dois objetos ou acontecimentos, mas nunca poderá servir como explicação metafísica. É melhor abandonar o seu uso.
Então o comentarista está errado em chamar satã a causa “real”, caso ele, no mínimo, reconheça que foi Deus quem dirigiu satã a incitar Davi ao pecado. Mas se por “real” ele se refere à causa metafísica, então é ainda pior. Isso poderia significar que 2 Sm 24.1 não tem lugar na Bíblia, e neste caso o comentarista negou a inerrância bíblica, mostrando que ele é um descrente e não tem autoridade para ensinar aos cristãos o que a passagem de Tiago quer dizer, ou poderia significar que ele faz de satã a explicação metafísica para Deus, caso em que o comentarista rejeitou a Deus e se tornou adorador de satã. Qualquer destas possibilidades faria a sua opinião sobre Tiago pior que inútil. Em vez disso, nós dizemos que 2 Sm 24.1 é a explicação para 1 Cr 21.1, e que Deus é a explicação metafísica para satã.
Deuteronômio 8.2 diz: “Lembrem-se de como o Senhor, o seu Deus, os conduziu por todo o caminho no deserto, durante estes quarenta anos, para humilhá-los e pô-los à prova, a fim de conhecer as suas intenções, se iriam obedecer os Seus mandamentos ou não”. Foi Deus, não outro, quem os guiou através do deserto para testá-los, para revelar se eles iriam ou não guardar os Seus mandamentos. Em outras palavras, Deus os guiou através de situações nas quais eles poderiam – e aparentemente muito mais que não – desobedecer aos Seus mandamentos. Então em Deuteronômio 13, Moisés diz que quando um falso profeta anuncia um sinal ou milagre que sem dúvida acontece, mas então diz ao povo que adore um falso deus, “O Senhor, o seu Deus, está pondo vocês à prova para ver se o amam de todo o coração e de toda a alma”. O que é que o comentarista vai dizer, que um falso profeta é uma explicação para Deus? Ou que o falso profeta é a causa “real”? Com tantos tolos como este ao longo de toda a história da igreja para defender a honra de Deus, os ateus e os céticos dificilmente se fazem necessários – os teólogos fazem o trabalho deles suficientemente bem. Não, Deus é a explicação para os falsos profetas. Ele controla os falsos profetas e os usa para testar o Seu povo.
Em 1 Reis 22, o Senhor perguntou: “Quem enganará Acabe para que ataque Ramote-Gileade e morra lá?” E um mau espírito respondeu: “Eu o enganarei… Irei e serei um espírito mentiroso na boca de todos os profetas do rei”. O Senhor disse que o espírito seria bem sucedido. Então o profeta Micaias explicou: “O Senhor pôs um espírito mentiroso na boca destes seus profetas. O Senhor decretou a sua desgraça”. Os demônios e os falsos profetas enganaram Acabe porque o Senhor havia “decretado o desastre” para ele. Em 1 Samuel 2, quando Eli alertou os seus filhos dos pecados deles, o versículo 25 diz: “Seus filhos, contudo não deram ouvidos à repreensão de seu pai, pois o Senhor queria matá-los”. Assim Deus controla as más escolhas dos homens. Ele pode fazer uma pessoa crer em qualquer coisa, pensar em qualquer coisa e decidir qualquer coisa. Deus é a explicação para o mal, tanto para a tentação como para a rendição à tentação. Ele reina sobre todas as coisas – ele controla o tentador, a tentação e o tentado.
O próprio Jesus foi “levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo” (Mt 4:1). É verdade que Jesus resistiu à tentação por nossa causa; contudo, permanece que foi o Espírito Santo quem levou Jesus à tentação. Se estiver errado por uma questão de princípios para Deus levar alguém para a tentação, então seria errado para Ele levar Jesus à tentação. Mas nada houve de errado nisto, e Deus tem levado o Seu povo à tentação desde a criação da humanidade. Isto tanto é o caso que quando Jesus ensinou os Seus discípulos a orar, Ele os ensinou a dizer “e não nos induzas à tentação” (ACF, ARC), porque é Deus quem faz isto. E então Ele acrescentou, “mas livra-nos do mal”, ou do maligno, porque é Deus quem ordena satã a incitar o mal.
Voltando ao nosso texto, como é que tudo isto se encaixa com o versículo 13, que diz que “Deus não pode ser tentado pelo mal, e Ele não tenta a ninguém”? O versículo é verdadeiro, e ele combina com o restante das Escrituras. Nas outras passagens que acabamos de examinar, ainda que Deus decrete o pecado e o mal, Ele não se torna o tentador para seduzir as pessoas, mas envia espíritos maus e falsos profetas para apresentarem a verdadeira tentação. Novamente, isto não distancia Deus do pecado e do mal, visto que “nele vivemos, movemos e somos”, e Ele tem de ser a energia direta que impulsiona todo pecado e todo o mal. Contudo, como expliquei, Deus não se identifica com o que Ele cria e com o que Ele causa. Quando Deus cria uma pedra, Ele não se torna uma pedra. Quando Deus destrói um planeta, Ele mesmo não é destruído. Aqueles que estão desesperados para se opor ao ensinamento bíblico da absoluta soberania divina asseveram que esta doutrina equivale ao panteísmo, mas quando eles fazem esta afirmação, ela se torna uma hipótese no próprio sistema deles, requerendo que aceitem pelo menos um panteísmo parcial para preservar algum controle a Deus, ou neguem a Deus absolutamente qualquer controle no universo. Qualquer opção faria deles não-cristãos. Mas nós permanecemos sem dano ao rejeitar esta hipótese estúpida. Deus não é aquilo que Ele cria, causa ou controla.
Então, Deus controla diretamente todos os aspectos da tentação, mas Ele próprio não é o tentador. Ele não tenta as pessoas no sentido em que satã tentou Eva e o Senhor Jesus. Ele não fala instruindo as pessoas a cometerem o erro. De fato, é impossível para Ele ser o tentador por causa de Sua própria natureza – visto ser Ele quem define o certo e o errado, qualquer coisa que Ele dissesse a alguém para fazer seria a coisa certa a ser feita. Se Ele tivesse dito a Eva que comesse o fruto, então teria sido certo a ela comê-lo. Não teria havido tentação, pois ao dizer a ela para comer o fruto Ele suspenderia a proibição original. Mas se Ele tivesse levado satã a dizer isto, então teria havido a tentação. E foi isto o que aconteceu com Eva, com Davi, com Acabe e assim por diante. Semelhantemente, se Ele tivesse dito a Jesus para transformar pedras em pão, isto não teria sido uma tentação; de fato, se isto tivesse vindo como uma declaração ou mandamento, Jesus teria de fazer tal coisa para cumprir a vontade do Pai.
Portanto, Deus é o autor do pecado, mas Ele não é o tentador. É obvio que isto de modo algum distancia Deus do mal, mas somente especifica o Seu relacionamento com ele. Assim temos de supor que quando Tiago enfatiza que Deus não tenta, não tem a intenção de distanciar Deus do pecado. Isto se torna até mais claro quando Ele não nomeia satã como o tentador, mas dirige o foco para o mau desejo de uma pessoa, o qual é o fator espiritual e psicológico que a leva a sucumbir à tentação. Se Tiago está interessado na identificação do tentador, porque é que ele não aponta para o diabo? A Escritura o retrata como tal em Gênesis, quando tentou Eva, e nos Evangelhos, quando tentou Jesus. E mais adiante na carta, Tiago mostra que ele está consciente do demônio quando ele escreve: “Resistam ao diabo, e ele fugirá de vocês” (4: 7). Se a intenção dele é identificar o tentador, especialmente em contraste com Deus, este seria o lugar para fazê-lo. Mas ele não menciona o demônio aqui porque ele tem um propósito diferente.
Assim, afirmar que Deus não é o autor do pecado baseando-se no versículo 13 é se desviar da finalidade do texto, e esta utilização errada termina por roubar o estudante das Escrituras de sua valiosa instrução. Se Tiago quer distanciar Deus do mal, ainda que fosse possível, o que ele escreve aqui não é a maneira de fazê-lo. Alguém pode se queixar de que mesmo que Deus não seja o autor do pecado, e mesmo não sendo Ele o tentador, por que permite o mal, e por que permite a tentação? E se for sem dúvida necessário distanciar Deus do mal para exonerá-LO, a única maneira de fazer isto do modo significativo e numa amplitude adequada é destronando Deus e estabelecendo satã como uma força de competição que controla diretamente o mal. Mas se satã estiver livre do controle direto de Deus, então o próprio satã será um outro “Deus”, se é que ainda pudéssemos de algum modo chamar cada um de Deus. Por esta razão é tão perigoso e blasfemo negar que Deus é o autor do pecado. Não que estejamos especialmente interessados em conectar Deus com o mal, mas que estamos especialmente interessados em afirmar que Deus é verdadeiramente Deus, que Ele exerce controle direto sobre todas as coisas, e temos de insistir que este controle inclui o mal quando as pessoas tentam negar isto, como querendo fazer um favor a Deus.
Tudo isso é para remover falsas tradições religiosas de modo a podermos ler a passagem e aprender o que ela realmente ensina. Em Gênesis satã foi o tentador, e quando ele falou à mulher, ele apelou para os seus maus desejos: “Quando a mulher viu que o fruto da árvore era bom para se comer e agradável a vista, e assim desejável para se obter sabedoria, ela pegou e comeu dele” (3.6). Tiago não está falando de metafísica, e não está tentando identificar o tentador. Ele quer que assumamos a responsabilidade e que confrontemos a tentação. Isto não se alcança culpando a soberania de Deus. O decreto divino não é algo que possamos ditar ou negociar. Isto também não é feito culpando o diabo por ser o tentador. Nós não temos soberania sobre o diabo, e não podemos impedi-lo de ser o tentador. Porém, somos responsáveis pelo exame dos nossos desejos, e se eles nos fazem suscetíveis às tentações, temos de resisti-los. Devemos estar sempre atentos aos nossos pensamentos e motivos, para cultivarmos aqueles que nos mantêm no caminho da retidão e anularmos aqueles que nos arrastariam para longe de Deus, levando-nos para o caminho da rebelião e da transgressão. Esta é a maneira de dominar as tentações.
Dos nossos desejos nasce o pecado (v. 15), mas da verdade de Deus nasce nossos espíritos renovados como crentes em Jesus Cristo (v. 18), de modo que “pudéssemos ser como que as primícias de toda a criação”. Naturalmente, os cristãos são as primícias, mas não no sentido cronológico, visto que as outras coisas na criação foram feitas antes de nós, e as nossas conversões aconteceram em diferentes ocasiões no tempo. Para ser exato, somos as primícias de tudo que Ele criou em termos de categoria, honra e prioridade. Isto traz à tona a diferença em status entre cristãos e não-cristãos. Nós somos as primícias porque Deus nos fez nascer na fé cristã, apesar de outros serem humanos como nós, eles não são conversos, e assim não são as primícias. Os cristãos, portanto, são de uma qualidade inteiramente superior da humanidade. Assim, não é de admirar que Tiago tenha escrito: “Meus amados irmãos, não se deixem enganar. Toda boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes” (vv 16-17). Que insulto é, se tudo o que tiramos desta passagem for a falsa inferência de que Deus não é o autor do pecado. Que doutrina patética. Que teologia fraca. Tiago não está interessado nisto.
Cristãos, não se deixem enganar. Não permaneçam na escravidão de tradições religiosas que declaram reverenciar a Deus e defender a Sua retidão, mas que de fato estão cheias de descrença, arrogância e que impõem a Deus limitações concebidas pelos homens que Ele nunca colocou em Si mesmo. Não aceitem qualquer coisa a menos do que o apóstolo nos diga. Se Deus deu a você o nascimento espiritual pelo Evangelho de Jesus Cristo, então fez de você as primícias da criação. Ele é o Seu Pai. Ele não é seu inimigo. Deus é o Senhor que controla as tentações, e pela mesma razão Ele é também o Senhor que o ensina a superá-las e a crescer na fé neste processo. Portanto, quando enfrentar sofrimentos e tentações, não se torne amargo e nem use a Sua soberania contra Ele, mas examine os seus próprios pensamentos e motivos. A maneira de lidar com tentações é afirmando a bondade de Deus e confrontar as suas compulsões, necessidades e ambições. Se você aprender a dominar os seus maus desejos, então você porá um fim ao pecado antes que ele tenha a chance de conceber. Isto foi o que Deus disse a Caim, mas ele não deu ouvidos, e matou o seu próprio irmão (Gn 4.6-7).

[1] – Veja Vincent Cheung, Teologia SistemáticaComentário sobre Efésios, O Autor do Pecado eBlasfêmia e Mistério.
Tradução: Claudino Marra
Revisão: Jazanias de Oliveira

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A Igreja Efeminada



Recentemente fui questionado se seria correto dizer que, na história do mundo, dinastias e civilizações inteiras de fato naufragaram na rocha da homossexualidade. Minha resposta foi que não deveríamos pôr as coisas desse modo. Claro, eu creio que a prática homossexual é imoral e proibida pela Lei de Deus. Todavia, em Romanos 1.21 – 32, Paulo põe dessa forma: deixaram de servir a Deus para servirem à criatura. Como uma consequência, Deus entregou-lhes às paixões impuras. Homossexualidade é julgamento de Deus sobre uma sociedade que abandonou a Deus e adora a criatura em vez do Criador. A apostasia espiritual é a rocha na qual as culturas, incluindo a nossa, foi fundada, e a homossexualidade é o julgamento de Deus sobre tal apostasia. Esta é a razão porque a homossexualidade era uma prática comum entre as antigas culturas pagãs; na verdade, é uma prática comum entre a maioria das culturas pagãs, incluindo a nossa crescente cultura neo-pagã. Em resumo, a ideia de que a tolerância da homossexualidade é um mal que conduzirá ao julgamento de Deus não é bíblica, pois coloca o carro na frente dos bois. É exatamente o contrário! A prevalência da homossexualidade em uma cultura é um sinal seguro de que Deus já tem executado ou está executando sua ira sobre a sociedade por sua apostasia. A causa deste julgamento não é a prática imoral da homossexualidade (apesar dos atos imorais homossexuais); mas sim, sua apostasia espiritual. A prevalência da homossexualidade é o efeito, não a causa da ira de Deus visitando aquela sociedade. E em uma sociedade cristã (ou talvez devesse dizer “pós-cristã”), isso significa, inevitavelmente, que a prevalência da homossexualidade na sociedade é julgamento de Deus sobre a igreja por sua apostasia, sua infidelidade para com Deus, porque o julgamento de Deus começa com a Casa de Deus (1Pe 4.17).
Esta, decerto, não é uma mensagem popular aos cristãos. É fácil levantar o dedo para os pecados e imoralidades grosseiros, mas a igreja está muito menos disposta a considerar seu papel nos males sociais que maculam nossa era. A apostasia espiritual que nos levou à presente condição começou na igreja, e grande parte do fracasso da sociedade moderna, que os cristãos corretamente lamentam pode, em alguma medida, ser atribuída a esta apostasia da igreja como a causa fundamental. E mesmo agora a igreja recusa-se a assumir sua responsabilidade para preservar a sociedade deste mal tão sério, tendo abdicado de seu papel profético como porta-voz de Deus para a Nação.
Claro, isto não quer dizer que não deveríamos desafiar o lobby gay e não trabalharmos para estabelecer uma moralidade bíblica em nossa sociedade. Nós devemos. Mas, também devemos escolher as prioridades corretas; e eu temo que a igreja tenha um diagnóstico equivocado destes problemas e tenha escolhido errado as suas prioridades. A Igreja sofre com o flagelo homossexual, tanto quando, e talvez mais, do que qualquer outro setor da sociedade (com exceção da mídia e do mundo do entretenimento). Para maior parte deste século, a igreja tem procurado um deus feminino para substituir o Deus da Bíblia. Nós tivemos ministros que ensinaram, agiram e pregaram como mulheres há muitos anos. O Ministério Pastoral de nossa geração é, no geral, caracterizado pela feminilização. O crescente número de homossexuais no ministério é, penso, simultaneamente uma causa e efeito relacionados a isto e, ao mesmo tempo, uma manifestação do julgamento de Deus sobre a igreja. Muitas vezes, é claro, o julgamento funciona numa relação de causa e efeito, porque toda criação é obra de Deus; portanto, ela funcionada de acordo com Seu plano e vontade. A igreja tem se tornado completamente efeminada por causa de um clero efeminado. O Ministério hoje é dirigido primariamente por mulheres, e ministros têm começado a pensar e agir como mulheres, porque o Cristianismo tem se tornado naquilo que é chamado de “religião salva-vidas” – mulheres e crianças primeiros. E o mundo vê isso bem adequadamente.
Por exemplo, foi-me dito em mais de uma ocasião por pastores e presbíteros que, quando eles visitam os membros de suas igrejas, se porventura o homem da casa vem recebê-los à porta, frequentemente a primeira coisa que este homem diz é: vou buscar a esposa. Pastores e Presbíteros estão ali para mimar as mulheres e as crianças; ou então, como pensa o mundo, isto é simplesmente porque o ministério na igreja é frequentemente dirigido principalmente às mulheres e crianças, e não aos homens. Tenho observado o mesmo tipo de coisa em reuniões das igrejas. Se alguém levanta uma questão doutrinária ou mesmo assuntos sérios sobre a missão da igreja, o interesse é quase nulo. No entanto, frequentemente tem havido, e continua havendo, enormes problemas doutrinários e problemas relacionados ao entendimento da igreja de sua missão no mundo, incomodando essas igrejas; apesar disso, estas igrejas nem mesmo consideraram que isso merece discussões nas reuniões de liderança da igreja. Os líderes da Igreja falarão de maneira interminável sobre “relacionamentos” e afins, mas evitarão questões doutrinárias [como evitam] a praga porque estes assuntos são considerados causas de divisão e que dificultam os “relacionamentos”.
Agora, no fundo eu creio que isto é um sério problema criado pela feminização da liderança da igreja. A agenda da liderança, que é uma agenda masculina, foi substituída por uma agenda feminina, que é um desastre para liderança. A igreja tem abandonado o Deus das Escrituras pelo conforto de uma divindade do tipo feminino que não requer líderes eclesiásticos que exponham doutrinas bíblicas ou ajam com convicção de acordo coma Palavra de Deus (ambos são percebidos, muitas vezes com razão, como causador de divisão – Mt 10. 34ss); mas, em vez disso, exige líderes simplesmente para mãe de suas congregações de uma forma feminina. Isso, naturalmente, produz ministros efeminados e uma igreja efeminada. Mas, isto não é simplesmente uma causa e efeito impessoal relacionadas. Deus age através de causas secundárias em sua Criação para executar sua vontade. Um ministério efeminado e uma igreja efeminada são a resposta de Deus para a determinação de a igreja substituir o Deus da Escritura por um deus do sexo feminino; e esta cruzada contra o Deus da Bíblia tem sido em sua própria maneira, uma característica do evangelicalismo, como abertamente tem sido a característica do liberalismo que os evangélicos dizem abominar, mas ainda assim, estão dispostos a imitar.
Este não é um problema apenas agora na igreja, mas porque está na igreja, a sociedade em geral é agora feminizada e efeminada. Somos governados por mulheres e homens que pensam e agem como mulheres. Mas, as mulheres não fazem bons governos em geral. Em Margaret Thatcher tivemos uma situação inversa: uma mulher que pensava mais como um homem deve pensar, mas a exceção não anula a regra. Eu não estou discutindo um ponto político aqui, nem endossando qualquer posição [política]; até porque eu acredito que isto tudo é parte da situação em julgamento. O mundo está de cabeça para baixo, porque os homens viraram de cabeça para baixo por sua rebelião contra Deus. Jean-Marc Berthoud frisou bem este ponto em seu artigo “Humanism: Trust in Man – Ruin of the Nations”, o qual eu recomendo em relação a este tópico. Agora somos governados por mulheres e crianças (Is 3.4, 12)
Mas, a Liderança não é feminina. Líderes Efeminados não governam bem, seja o Estado, seja a Igreja. É vital que a Justiça seja temperada com Misericórdia. Mas alguém não pode temperar a Misericórdia com a Justiça. Quando a misericórdia é colocada antes da justiça, as sociedades sofrem colapsos nas situações idiotas que temos hoje, onde os criminosos são libertos e as pessoas inocentes são condenadas. Por exemplo, as punições infligidas aos motoristas por inadvertidamente dirigirem um pouco acima do limite da velocidade hoje, mesmo onde não há perigo envolvido, são muitas vezes mais graves do que os castigos infligidos aos ladrões. E hoje um pai pode ser punido por bater em um filho travesso – mesmo que tal castigo seja realizado num ambiente de amor e disciplina e não haja perigo para criança – mas ainda assim, alguém pode, com impunidade, assassinar os filhos ainda não nascidos. O Estado ainda paga por esses abortos, fornecendo-lhes o Sistema Único de Saúde.
Creio que isto é o resultado final da feminização de nossa cultura. Pensa-se, frequentemente, que a liderança feminina é mais compassiva, mais carinhosa. Isto é um mito que a ideologia feminista tem trabalhado nas percepções populares da realidade em nossa cultura. Pelo contrário, a cultura feminista é uma cultura violenta, uma cultura que produz o aborto e ao mesmo tempo exige que se extinga as coisas tipicamente masculinas. Uma situação mais perversa é difícil de se imaginar. Em última análise, o feminismo é, na prática, inerentemente violento, intrinsecamente instável, intrinsecamente perverso, inerentemente injusto, porque ele é todas essas coisas em princípio, a saber, a rejeição da ordem criada por Deus; e as consequências de um compromisso religioso sempre se desenvolverão na prática. O Feminismo está, agora, desenvolvendo as consequências práticas de sua visão religiosa da sociedade (e isto é sua religião).
As igrejas têm falhado em ver isso. Elas têm abraçado o feminismo vigorosamente, e como consequência, se tornaram uma importante avenida pela qual o Feminismo tem sido capaz de influenciar nossa cultura. O clero estava envolvido na feminização da fé e da igreja bem antes do Movimento Feminista tivesse se tornado consciente na percepção popular. E a feminização de nossa cultura é um dos principais motivos para sua anarquia e violência. Por exemplo, o resultado da feminização da sociedade tem sido a de que os homens perderam o seu papel em muitos aspectos. O feminismo tem definido homens em nada mais do que briguentos ou efeminados. Na perspectiva feminista, estas são as duas alternativas para os Homens, embora isso não possa ser entendido por muitas feministas; talvez normalmente não seja, porque o Feminismo é ingênuo e não opera com base na razão, mas na emoção; e estas coisas trazem-nos novamente ao problema da liderança e governos femininos. Emoções não lideram ou governam bem. Para as Feministas, os homens são governantes incapazes; as mulheres devem governar.
Agora nós temos o governo de mulheres e homens efeminados. O efeito de colocar as virtudes femininas no lugar das virtudes masculinas, e as virtudes masculinas no lugar das virtudes femininas tem sido a de subverter a ordem criada. Como resultado, a justiça é desprezada e a misericórdia é transformada e colocada em seu lugar. A Liderança é masculina, mas é preciso temperá-la com as virtudes feministas. Quando as virtudes feministas estão na liderança, as virtudes masculinas não podem funcionar; a masculinidade é feita desnecessária. Isto é um dos problemas mais sérios da nossa sociedade. O Feminismo tornou a liderança masculina na igreja e da nação obseleta e, agora, estamos colhendo as consequências espirituais e sociais disto. A Justiça é uma vítima! A misericórdia cessa de ser misericórdia e torna-se indulgência dos piores vícios. Violência, anarquia, desordem e uma sociedade disfuncional são o legado da Feminização de nossa Sociedade, porque neste sentido, nem as virtudes masculinas, nem as femininas podem desempenhar apropriadamente seu papel. O mundo é posto de ponta cabeça. Até mesmo as igrejas “crentes na Bíblia” são anestesiadas na sua apostasia em relação a este e muitos outros assuntos em nossa sociedade. Temos uma igreja efeminada, e uma sociedade efeminada e, portanto, a resposta de Deus tem sido um ministério cada vez mais homossexual e uma crescente sociedade homossexual. Este é o justo julgamento de Deus sobre nossa apostasia espiritual.
A resposta é o arrependimento, voltar-se para Deus e abandonar nosso caminho de rebelião contra a ordem divina da Criação. A igreja deve começar isto. O julgamento começa com a igreja (1Pe 4.17) e o arrependimento também. Eu não creio que resolveremos o problema homossexual até reconhecermos sua causa. É o julgamento de Deus sobre a apostasia da Nação. Liderando o caminho para esta apostasia estava a igreja.
O que tenho dito acima não significa minimizar a seriedade do problema homossexual, nem sua imoralidade. Mas devemos reconhecer isto como uma manifestação do julgamento de Deus, como Paulo tão claramente ensina em Romanos, capítulo um. A resposta está em combater as causas, enquanto não deixamos de fazer as outras coisas. O que eu disse aqui não significa promover uma diminuição da oposição cristã aos direitos homossexuais por qualquer meio; mas significa encorajar a uma maior leitura do problema, porque é nesta vasta leitura do problema que detectamos a causa e esperamos a solução para o problema.
Além disso, este assunto não um assunto isolado. É parte inseparável da re-paganização de nossa sociedade, uma tendência de que a igreja, em grande medida, não apenas tem tolerado, mas por vezes, estimulado, por sua percepção míope de fé e sua negação prática de sua relevância para toda a vida do homem, incluindo seus relacionamentos e responsabilidades. Enquanto a crítica é necessária e vital na tarefa profética da igreja de levar a Palavra de Deus para influenciar nossa sociedade, ela não é o bastante. Em vez disso, a igreja também deve jogar fora o seu próprio consentimento na prática do humanismo secular e praticar o pacto da vida da comunidade redimida no momento que ela tenha qualquer efeito sobre nossa cultura. Portanto, o julgamento continuará ininterruptamente até a igreja mais uma vez começar a viver para fora, bem como falando a palavra de vida para sociedade em sua volta. Somente então quando ela começar a manifestar o reino de Deus; e apenas quando a igreja começar a manifestar o reino de Deus novamente, nossa sociedade começará a ser liberta do julgamento de Deus.

Fonte: Christianity and Society, Volume X, Number 1, January 2000, p. 2 – 3

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Introdução aos livros históricos


 DE JOSUÉ A ESTER

a) O Livro de Josué

O caráter da literatura histórica é determinado pelo lugar que ocupa nos planos da revelação de Deus para a redenção da humanidade. A finalidade é, portanto, revelar o que o Senhor, na Sua misericórdia determinou para salvar o homem. É deste modo que ao Pentateuco se pode chamar a base da revelação, desde a criação do mundo até ao estabelecimento duma aliança com Israel, em que se expõem as condições dessa aliança. O livro de Josué mostra como o Senhor leva o povo escolhido à Terra Prometida, em conformidade com aquela aliança. A história que se segue, todavia, vai dizer-nos que só pela Lei não é possível a salvação. Como então? A redenção dos pecadores só poderia ser efetuada pelo Filho de Deus encarnado. Os livros dos Juízes, de Samuel e dos Reis lembram a apostasia de Israel, a que já os últimos versículos de Josué fazem referência: "Serviu, pois, Israel ao Senhor todos os dias de Josué, e todos os dias dos anciãos que ainda viveram muito depois de Josué, e sabiam toda a obra que o Senhor tinha feito a Israel" (Js 24.31). Nestas palavras se resume a história da religião de Israel, que assim abandonava o seu Deus.

b) O Livro dos Juízes

A isto se pode resumir o livro dos Juízes: "Os filhos de Israel deixaram ao Senhor, Deus de seus pais, e prestaram culto aos deuses pagãos de Canaã, Baal e Astarote. Pelo que a ira do Senhor se acendeu contra Israel, e os deu na mão dos seus inimigos. Todavia levantou o Senhor juízes que os livraram desses inimigos. Mas quando morreu o juiz, voltaram à idolatria e de novo foram castigados e oprimidos" (cfr., por exemplo, Jz 2.11-23). Assim, até Jz 15 sucedem-se com mais ou menos pormenores diferentes narrações da atividade dos doze juízes. Os últimos capítulos limitam-se a registrar o estado deplorável durante este período da história de Israel.

c) O Livro de Rute

A nossa Bíblia interrompe agora a história com o pequeno livro de Rute, e bem que a Bíblia hebraica o apresente na terceira e última parte do Velho Testamento, num grupo separado, a que os judeus dão o nome de "Escritos". O livro conta a história da moabita Rute, casada com um rico proprietário, de nome Boaz, um dos antepassados de Davi. A introdução duma gentia na sagrada descendência de Davi, de quem havia de nascer o Messias, vem demonstrar que a eleição de Israel não exclui os pagãos da salvação do Senhor. Donde se infere, que o Salvador será o grande Redentor não só de Israel, mas de todas as nações.

d) Os Livros de Samuel, dos Reis e das Crônicas

Os livros de Samuel e dos Reis contam o ressurgimento do país, sobretudo nos reinados de Davi e Salomão, e por fim o seu declínio após a morte deste último. Na divisão do país sob Roboão e Jeroboão, apresenta-se a história paralela dos reis de Judá e de Israel, terminando com a apostasia que levou à destruição do norte do país e depois à catástrofe final do exílio no ano 586 a.C. O cronista resume toda a história desde Adão em diante. Até à morte de Saul é, por assim dizer, uma breve genealogia; mas a partir daí segue quase a par e passo os livros de Samuel e dos Reis. Após a divisão do reino, limita-se quase só a descrever os acontecimentos relativos ao reino de Judá. Quando os livros das Crônicas, porém, se cingem a relatar os mesmos acontecimentos que os livros de Samuel e dos Reis, não os reproduzem literalmente. É o que se verifica com as narrações da vida de Jesus Cristo pelos quatro evangelistas. A "crítica" nem sempre é favorável ao autor das Crônicas. Mas o fato de mencionar certos acontecimentos que Samuel e os Reis passam em silêncio, ou então omitir outros que aqueles livros registram, leva-nos a colocá-los ao lado dos evangelistas, de cuja probidade ninguém duvida. Dum modo especial note-se como o cronista se interessa principalmente por tudo o que se relaciona com as cerimônias do culto, deliciando-nos com inúmeros pormenores interessantes, que os outros livros passam em silêncio.

e) Os Livros de Esdras e Neemias

A tomada de Jerusalém e o cativeiro dos seus habitantes em Babilônia, de modo algum frustrou o plano redentor de Deus; pois a nação, da qual havia de nascer o Salvador, não podia ser completamente abandonada. Dá-se então o regresso do exílio, como lembra o cronista no seu último capítulo, referindo-se ao decreto do rei da Pérsia, Ciro, que autoriza os cativos a voltarem à terra de seus pais, se assim o desejassem e a reconstruírem o templo do Senhor em Jerusalém. É o que podemos constatar nos livros de Esdras e Neemias, que vão ao ponto de relatar minuciosamente todos esses trabalhos, sem esquecer as dificuldades que tiveram de vencer os filhos de Israel, há pouco vindos do exílio. Estes livros demonstram claramente que, apesar dos revezes da ruína de Jerusalém e do que sofreram no exílio, os filhos de Israel não prestaram o devido culto ao Senhor. Por isso aguardam a "plenitude dos tempos" em que Deus enviará o Seu Filho (Gl 4.4-5).

f) O Livro de Ester

Resta-nos agora considerar o livro de Ester. Trata-se duma maravilhosa exposição, habilmente descrita, do que parece ter sido a mais perigosa ameaça ao futuro de Israel-a sua exterminação total, levada a efeito pelo monstruoso plano de Hamã. O Senhor, porém, preserva o Seu povo, assegurando assim o cumprimento da promessa Messiânica feita aos nossos primeiros pais no jardim do Éden. Muitos comentadores têm dúvidas da historicidade e do caráter religioso do livro, embora não haja motivo para duvidar dos fatos que nele são descritos. Há um pormenor, observado pelos entendidos, a salientar neste livro: é que o autor mostra um perfeito conhecimento dos costumes persas. Quanto ao crime hediondo planeado por Hamã, não nos parece incrível, se pensarmos nos massacres perpetrados durante a última guerra mundial pelos nazistas alemães contra os indefesos judeus. Embora não se cite o nome de Deus, não se pode negar que o livro proclama a intervenção providencial do Altíssimo. Quanto a estar o livro eivado dum nacionalismo exagerado, vingativo e fanático, o que se descreve é a pura verdade. Os fatos são relatados objetivamente, e a atitude dos judeus, que não quiseram tocar nos despojos dos inimigos, embora o pudessem fazer, fala por si. Quem, pois, ousará censurar o autor, por exprimir a sua satisfação no dia em que viu os inimigos opressores passarem a oprimidos?