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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O LIVRO DE JOSUÉ



INTRODUÇÃO

Diz-se que a história do mundo é a história dos grandes homens. Algo da história do mundo encontraremos, pois, na história de Josué, precisamente no livro que tem o seu nome: "Livro de Josué". Começando pela vocação divina e pela missão que lhe foi confiada, acaba o livro por descrever a morte do grande chefe, cujo nome anda ligado à conquista de Canaã na história do famoso povo de Israel.

I. QUEM ERA JOSUÉ

Vários fatores guindaram Josué à chefia do povo escolhido do Senhor. Era descendente da família de José, tão prestigiada na história de Israel. O seu avó Elisama fora orientador da tribo de Efraim através do deserto e talvez encarregado do corpo embalsamado do seu antecessor, para condignamente ser sepultado na Terra da Promissão. O contacto que teve com a civilização e a cultura egípcias (já que no Egito nascera e tomara parte no êxodo: #Nm 32.11 e segs.), preparou-o, como aliás a Moisés, para a grande missão de dar a estrutura e a independência a um novo país. É de frisar como numa das suas últimas proclamações ao povo, lhe lembrou que os seus antepassados prestaram culto a outros deuses no Egito (#Js 24.14). Como auxiliar principal e adjunto de Moisés, em íntimo contacto com ele no cargo de orientador do povo, Josué estava naturalmente indicado como sucessor daquele de quem tanto recebera e com quem tanto aprendera na dura travessia do deserto.

Perante as informações de Calebe, mostrou-se corajoso e homem de fé excepcional, desprezando o relatório apresentado pelos outros dez espias. Confiança no Senhor, acima de tudo.

Já em Refidim mostrara as suas qualidades invulgares de militar, chefiando as tropas israelitas que repeliram um repentino ataque dos amalequitas, desencadeando contra a retaguarda dos hebreus, composta quase exclusivamente por mulheres, crianças e bagagem (#Dt 25.18). Levou-os de vencida Josué e, talvez como recompensa, serviu-se o Senhor da sua intervenção para responder às suplicas de Moisés no alto do monte (#Êx 17.8 segs.).

Eis a largos traços o homem, de cujos dotes naturais, educação e experiência Deus se serviu para chefiar um grande povo e introduzi-lo na Palestina. De nada lhe serviriam, porém, tais qualidades, se a força dinâmica de que dispunha não revelasse a presença de Deus. Foi na realidade ao chamamento do Senhor que brotaram quase em tropel as suas poderosas energias, que haviam de conduzir à soberania de Israel um homem escolhido por Deus. Enfim, estamos em presença dum soldado que se revestiu da completa armadura do Senhor.

II. AUTOR E AUTENTICIDADE DO LIVRO

É de importância extraordinária o lugar atribuído a Josué no Cânon hebraico. A princípio colocavam-no no grupo de livros chamado "Os primitivos profetas", que incluíram Josué, Juízes, Samuel e Reis. Se na opinião da crítica moderna, a Josué e ao Pentateuco se atribui uma data posterior, admitindo-se serem compilados de numerosos documentos de diferentes datas, já num período muito avançado da história judaica, é de qualquer modo para admirar que o antigo Cânon hebraico considerasse Josué como o primeiro daquele grupo. Por outras palavras, a teoria dos documentos quase exige a substituição do Pentateuco pelo Hexateuco, solução adotada pela crítica, mas que não corresponde ao antigo Cânon. De resto, não é fácil compreender-se como é que os mesmos editores se entregaram, numa data posterior, à tarefa de compilar não só o Pentateuco, mas também Josué.

Mas é curioso observar que muitos críticos modernos não fazem qualquer alusão ao Hexateuco. Ainda que as fontes fossem as mesmas em Josué e no Pentateuco, haveria, no entanto, a distinguir documentos diferentes: o D para Josué e o P para o Pentateuco. Nunca, todavia, qualquer motivo para a separação do antigo Cânon, pois a crítica moderna distingue as mesmas fontes em Josué e no Pentateuco.

Em segundo lugar, a Arqueologia é mais favorável a Josué e à conquista de Canaã do que propriamente ao Pentateuco. Seja como for, sobre um e outro vem trazer luz as recentes escavações, nomeadamente a comprovar a autenticidade das descrições históricas. "Graças a investigações arqueológicas em muitas localidades bíblicas", escreve o famoso arqueólogo Albright no seu livro Archaeology of Palestine, pág. 229, "é possível estabelecerem-se a época e o significado histórico de muitas listas de cidades bíblicas. Sirva de exemplo o caso da lista de cidades dos levitas em #Js 21 e #1Cr 6, que o crítico Wellhausen, considerou produto artificial da imaginação de algum copista do período que se seguiu ao exílio. Mas, à luz de fatos comprovados pela Arqueologia, chega-se à conclusão de que a lista dessas cidades é muito mais antiga: entre 975 e 950 A.C. e uma pré-história que remonta à conquista". Outros comentadores, tal como G. E. Wright no livro The Study of the Bible Today and Tomorrow, seguem esta mesma opinião extensiva a mais listas de cidades, e também às fronteiras mencionadas em Js 15-19, admitindo-se que não há razão alguma para se atribuir as listas daquelas cidades a escritores que viveram depois do exílio.

Finalmente, nada há que obste a recorrermos a muitos argumentos internos para defender a nossa tese. No dizer do Reitor Douglas em "The Book of Joshua", a referência à "grande Sidom" e à "forte Tiro" (#Js 11.8, 19.28-29) supõe que o autor dessas linhas viveu na época em que Sidom era a principal cidade dos fenícios, mesmo superior a Tiro, que só mais tarde se tornou sua rival. É o período em que uma ou várias pedras começam a ser utilizadas como lembrança de qualquer acontecimento célebre registado no local, onde essa ou essas pedras se encontravam. Assim sucedeu na travessia do Jordão, na sepultura de Acã, e de outros reis, em Siquém (#Js 24.26), o altar (#Js 22.10,34), etc. A alusão que se faz à distribuição das terras pelas diferentes tribos é exposta de tal modo que supõe um autor contemporâneo. A mais completa descrição é a que se refere a Judá, a tribo que primeiro se fixou e que provavelmente cumpriu melhor o seu dever, sob a orientação do fiel e dedicado Calebe. Judá é, em princípio, apresentado como uma grande possessão, tal como José. Depois é-nos contado como a possessão de Simeão foi tirada de Judá; deduz-se que Dã foi tirado de ambas as casas fortes (Judá e José).

Podemos, pois, concluir que, não podendo determinar absolutamente o autor do livro, é evidente que as fontes donde deriva eram contemporâneas dos acontecimentos descritos e, mais ainda, que a forma atual do livro remonta a uma época muito recuada.

III. DATA DA CONQUISTA DE ISRAEL

Os fatores determinantes que nos levam ao conhecimento da data em que Israel conquistou Canaã são dependentes, apenas das investigações arqueológicas. Duas teorias surgem, baseadas nos textos bíblicos e naquelas investigações, para solucionar o caso, se bem que nem todas as dificuldades possam ser facilmente aplanadas.

Garante-nos o #Êx 1.11 que durante o exílio no Egito construíram os israelitas para o Faraó "cidades de tesouros", tais como Pitom e Ramessés. Ora, há quem afirme serem essas cidades fundadas por Ramessés II (1300-1224 A.C.), o suposto Faraó da opressão, enquanto o seu sucessor Meremptá governava na altura do Êxodo. Isto levaria a admitir-se a entrada em Canaã cerca de 1230 A.C. (Para exame dos argumentos apresentados em mais pormenor, deve consultar-se a "Introdução" ao livro de Juízes neste comentário).

Mas sucedeu que em 1896 foi descoberta uma inscrição de Meremptá (cerca de 1200 A.C.) aludindo a algumas das suas conquistas e falando de tal modo em Israel, que nos leva a supor (ainda que não haja unidade entre os eruditos) que os israelitas não se encontravam já no Egito, mas, possivelmente, instalados na Palestina, numa comunidade organizada e definitiva. Não obstante a oposição dalguns comentadores, outro tanto se pode demonstrar duma inscrição de Ramessés II que dá a idéia de ser Aser uma tribo da Palestina. Mas torna-se difícil, por outro lado, compreender que em tão curto espaço de tempo já se tivesse conquistado a Terra e se tivessem fixado os israelitas em Canaã tal como incluir o governo dos Juízes antes de se instaurar a monarquia.

A identificação, portanto, de Pitom e Ramessés com Ramessés II não é provável, ou pelo menos torna-se muito difícil.

Outra alternativa tem origem em #1Rs 6.1, onde se acentua que o Êxodo teve lugar 480 anos antes de Salomão começar a construir o templo. Como esta data foi fixada em 967 A.C., segue-se que os israelitas invadiram Canaã cerca do ano 1407 A.C..

Garstang, outro erudito, no livro "Joshua-Judges", afirma que se pode confirmar esta teoria com referências egípcias. Diz que dificilmente se daria a invasão de Canaã numa altura em que o Egito a controlava, podendo defendê-la com o seu poderio. Sem entrar em pormenores nos argumentos apresentados, há paralelos destacados entre a história de Israel, tal como no-la recorda o livro de Juízes e os momentos de prosperidade e decadência do Egito contemporâneo, talvez seja suficiente afirmar que essa data deve coincidir com as cartas de Tell-el-Amarna (cerca de 1400 A.C.). Descobertas em 1887, chegou-se à conclusão de que essas cartas continham a correspondência entre os oficiais egípcios na Palestina ou noutras regiões e o governo central no Egito e frisavam o declínio da influência egípcia em face do avanço do Império Hitita. Seria nesta ocasião de declínio do Egito que provavelmente se deu a entrada de Israel em Canaã. Que esta se registrasse cerca do ano 1400 A.C., dizem outros não ser plausível pelo fato de não haver qualquer alusão à fundação das cidades de Pitom e Ramessés no séc. XIII, precisamente no reinado de Ramessés II. Mas na realidade, foram essas cidades fundadas pelos israelitas, embora mais tarde restauradas com o mesmo nome em honra de Ramessés II, depois de terem os israelitas abandonado o Egito.

IV. O PROBLEMA MORAL NA GUERRA DE ISRAEL

O extermínio total dos cananeus, registado no livro de Josué, surpreende bastante certos comentadores, que a essa descrição bíblica não querem retirar a inspiração divina. Poderemos, com efeito, acreditar nas ordens de Jeová para destruir completamente os habitantes do país? Em caso afirmativo, estará esta revelação de acordo com a revelação que Cristo nos fez do Pai?

Duas soluções apontam os críticos modernos. Afirmam uns que a narração do extermínio dos cananeus foi escrita muito depois dos acontecimentos, idealizando o que teria sucedido para que o culto de Jeová se conservasse puro. Por outras palavras, as atrocidades cometidas não se registraram realmente. Outros críticos então opinam que a revelação de Deus, conservada na primitiva história religiosa de Israel, é a revelação do próprio Jeová, limitada pela capacidade daqueles que a receberam e que o fato de ordenar a destruição dos cananeus representa uma fase bastante primitiva do desenvolvimento religioso.

Ao considerarmos a autoria e autenticidade do livro de Josué, já apresentamos algumas razões que nos levam a não admitir à primeira daquelas hipóteses. Quanto a segunda, há a considerar que se supõe terem-se os israelitas enganado, quando pensaram que Jeová, o seu Deus particular, naturalmente admitia a hipótese de poderem ser eliminados todos os inimigos do Seu povo. Uma revelação posterior (do livro de Jonas, por exemplo) devia mostrar como Deus não deixa de possuir entranhas de amor e misericórdia para com as nações que não fazem parte da comunidade de Israel, ultrapassando-se deste modo a revelação primitiva. É uma teoria, na realidade aliciante, mas que não vem solucionar definitivamente o problema. Também é certo que o conhecimento de Deus se foi aperfeiçoando cada vez mais entre o povo e que, quando muito, o Velho Testamento apenas proporcionava uma parte da revelação divina. Mas o que não podemos crer é que uma revelação posterior venha contradizer uma outra já existente. Deus pode revelar-se progressivamente, mas falo com toda a consistência, para que possamos admitir essa revelação.

Será fácil, então, encontrar uma explicação viável, que não desacredite a inspiração da narrativa nem o seu Autor que a revelou? Antes de mais é necessário ter uma idéia clara do que pode significar a devoção dos cananeus à destruição. Falando, por exemplo, dos habitantes de Jericó, diz-se que a cidade e todos os seus habitantes foram "dedicados" ou "amaldiçoados" (em hebraico: herem). Quer isto dizer que tudo aquilo que pudesse comprometer a vida religiosa da comunidade devia ser afastado, para se evitarem maiores males. O melhor e talvez único meio de o fazer era exterminar isso por exemplo. Parece, pois, que o "anátema" ou "extermínio" tinham uma finalidade religiosa e ao mesmo tempo preventiva: defender o culto religioso e a vida dos israelitas. É neste sentido que se deve procurar uma solução para o problema.

A destruição dos cananeus foi, então, em princípio, um benefício de caráter religioso, conforme no-lo afirma insistentemente o texto sagrado, sendo o povo israelita o instrumento pelo qual Deus castigava os perversos habitantes da terra. Assim como destruíra Sodoma e Gomorra pela mesma espécie de corrupção sem necessidade de recorrer a instrumentos humanos, agora se serviu dos israelitas para punir e desarraigar severamente a depravação cancerosa dos cananeus. Se na realidade o mundo é governado por uma superior lei moral, não podemos deixar de admitir que a justiça se cumpra, quando necessária.

Note-se ainda que o extermínio, como necessidade religiosa, impunha restrições morais (roubo, despojos), que seriam de admitir noutros casos. Não era o prazer do sangue e da chacina; apenas uma ordem divina a cumprir.

Falemos agora da segunda finalidade do extermínio, de caráter preventivo. Se a religião dos hebreus devia conservar-se pura e imaculada, toda e qualquer possibilidade de impureza tinha de ser afastada. Como? Só com medidas drásticas. Mas se os hebreus tinham por missão transmitir ao mundo a Revelação divina, como explicar essa atitude perante os outros povos? E se Israel também transgrediu, por que não sofreu idêntico castigo? Uma coisa é certa: Para que Deus pudesse manter o Seu governo moral e para que Israel transmitisse a mensagem divina ao mundo, convinha que se eliminassem os povos contrários a essa mensagem.

V. A DOUTRINA RELIGIOSA DO LIVRO

O valor religioso de qualquer livro mede-se pelas respostas: que nos diz a respeito de Deus este livro? Que verdade divina nos vem anunciar? Três aspectos pelo menos das relações de Deus com o homem. Vejamo-los:

a) A fidelidade de Deus

Já há muito se falava na promessa feita a Israel de que um dia viria a ser senhor da Terra Prometida. Mas o homem desobedecera e pecara. Iria porventura ser privado daquele privilégio? Não. Os planos de Deus são infalíveis. E a promessa cumpriu-se. Como? percorramos as páginas do livro de Josué.

b) A santidade de Deus

Podemos admirá-la no castigo infligido aos primitivos habitantes da terra. A iniqüidade dos amorreus atingira o ponto culminante e Israel foi escolhido para castigar os seus crimes. Mas a santidade de Deus exige que seja santo também o Seu instrumento. A guerra é também santa, pois só pretende salvaguardar a santidade do instrumento e, no fim de contas, honrar a santidade da mão que o orienta.

c) A salvação de Deus

A palavra Josué significa "Jeová é a salvação" e é a forma hebraica de Jesus, o nome que está acima de todos os nomes. Será de surpreender que Josué tenha sido uma "figura" ou um "símbolo" de Cristo? Por certo que não! E o livro não simbolizará também a nossa vitória em Cristo? A travessia do Jordão era a morte; mas, para além dele, raiava uma aurora de plenitude, de felicidade e de bênção, que também a nós está prometida. "Temamos, pois, que porventura, deixada a promessa de entrar no Seu repouso, pareça que algum de vós fica para trás" (#Hb 4.1).

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