Há uma palavra simples, todavia profunda, que ocorre novecentas vezes na Bíblia. Você a encontra primeiramente em Gênesis, quando somos informados como Deus criou o céu e a terra. Você a encontra pela última vez no capítulo final da Bíblia, onde nos é dito sobre a criação de um novo céu e de uma nova terra por Deus. Um livro inteiro, Levítico, é dedicado ao assunto desta palavra.
Apesar disso, esta palavra é estranhamente negligenciada hoje. Embora ela descreva a exclusividade de Deus e o chamado de todos os Seus filhos, ela é amplamente ignorada.
Esta pequena, todavia maravilhosa, palavra é santo. Entre outras palavras, santo, santificar e santificação são obtidas de sua raiz.
O que significa santo, santidade? Qual é o chamado bíblico à santidade? Como se deve praticar a santidade? Por que as igrejas necessitam tão desesperadamente da santidade em nossos dias?
Dividamos nosso assunto em cinco seções: (1) O que Santidade é: Eliminando as Concepções Erradas. (2) Santidade na Escritura: Ser separado. (3) Santidade na Teologia: Santificação. (4) Santidade na História: O Entendimento da Igreja. (5) Santidade na Prática Hoje: A Maior Necessidade da Igreja e Nossa.
O QUE SANTIDADE É: ELIMINANDO CONCEPÇÕES ERRADAS
Santo e santidade são termos que levam a uma considerável concepção errada. Para alguns, a palavra santo parece arcaica; imaginam algo antiquado e retrógrado. Para outros, santidade cheira a legalismo moralista; isto é, santidade demanda uma longa lista de proibições. De pessoa para pessoa, de grupo para grupo, esta lista variará, mas uma lista sempre existirá onde quer que a santidade esteja. Ainda para outros, a santidade é associada com uma repugnante atitude de “sou mais santo que você”. Eles a vêem como uma ferramenta desprezível com a qual se implementa a superioridade arrogante. Finalmente, para alguns, santidade denota uma perfeição inatingível. Eles vêem a santidade como uma doutrina desalentadora que não prega nada senão o pecado e exige uma perfeição radical.
Embora haja fragmentos de verdade em certos aspectos destas concepções, todas estas idéias falham em expressar o verdadeiro conceito de santidade. De acordo com o uso original da palavra, santidade em todas suas formas (isto é, quando aplicada a qualquer pessoa, lugar, ocasião ou objeto) implica o ser separado do uso comum secular para o propósito de ser devotado a Deus.
Santidade significa ser separado. Mas o que significa o ser separado? Duas coisas. O sentido negativo de ser separado é o chamado da santidade para nos separarmos do pecado. O sentido positivo de ser separado é o chamado da santidade para nos consagrarmos a Deus. Estes dois conceitos – separação do pecado e consagração (ou separação) a Deus – compreendem a palavra santidade. Quando combinados, estes dois conceitos fazem a santidade muito compreensiva. De fato, a santidade cobre o todo da vida. Todas coisas, nos diz Paulo, devem ser santificadas: “Porque toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças. Porque pela palavra de Deus e pela oração é santificada” (1 Timóteo 4:4,5).
O chamado para santidade é um chamado absoluto, exclusivo. Deus nunca nos chama para Lhe dar um pedaço de nossos corações. O chamado para santidade é um chamado para todo o nosso coração: “Filho meu, dá-me o teu coração” (Provérbios 23:26).
O chamado para a santidade é holístico. Isto é, nossa vida inteira está envolvida – corpo e alma, tempo e eternidade. E também em cada esfera de nossa vida na qual somos chamados a atuar: em privacidade com Deus, na confidencialidade de nossos lares, na competição de nosso trabalho, nos prazeres da amizade social, bem como na adoração dos domingos. O chamado à santidade é um chamado de sete dias por semana e de 365 dias por ano. Ele é radicalmente compreensivo; como tal, o chamado à santidade pertence à essência da fé e da prática religiosa.
Assim, você pode ver quão erradas são as concepções erradas de “arcaísmo, legalismo e superioridades” com respeito à santidade. A santidade nunca se apresenta na Escritura como um conceito farisaico com uma lista sem fim de “fazer” e “não fazer” combinada com uma atitude de justiça própria. Pelo contrário, a santidade é um compromisso para toda a vida de nos separarmos para o senhorio de Jesus Cristo. A santidade não é uma lista, mas um estilo de vida. Santidade significa viver para Deus. Santidade é a religião por excelência. É a relação com Deus – uma relação pactual, certamente – manifestada pela graça em fé e prática, através de todas as esferas da vida.
Isto se tornará mais cristalino à medida que examinar o conceito da Escritura de santidade.
SANTIDADE NA ESCRITURA: SER SEPARADO
No Antigo Testamento, se fala de santidade primariamente com relação a Deus. “O SENHOR nosso Deus é santo” (Salmos 99:9). Santidade é a própria natureza de Deus – o próprio fundamento de Seu ser. Três vezes santo, intensamente santo é o Senhor (Isaías 6:3). Deus é santidade. Santidade é a coroa permanente de Deus. Ela é o “brilho de todas as Suas perfeições”, como os Puritanos costumavam dizer. Santidade é o pano de fundo para tudo mais que a Bíblia declara sobre Deus.
O conceito de santidade divina do Antigo Testamento apresenta três verdades cardinais sobre Deus: Primeiro, denota a separação ou a diferença de Deus de toda a Sua criação. A palavra hebraica mais comum para santo é qadosh, a qual tem como seu significado mais fundamental o ser separado ou apartado. Deus está acima e além de toda a Sua criação. Nada é como Ele. “A quem, pois, fareis semelhante a Deus, ou com que o comparareis?” (Isaías 40:18). “O SENHOR é Deus; nenhum outro há senão Ele” (Deuteronômio 4:35,39; 1 Reis 8:60; Isaías 45:5,6,14,18,21,22; 46:9; Joel 2:27).
Em segundo lugar, denota a total “separação” de Deus de tudo que é impuro ou mal. Deus é a perfeição moral. Sua santidade é total retidão e pureza (Isaías 5:16). Seus olhos são muito puros para contemplar o mal (Habacuque 1:13).
Em terceiro lugar, por causa de Deus ser separado por natureza de todo pecado, Ele é inacessível para os pecadores, aparte de um sacrifício santo (Levítico 17:11; Hebreus 9:22). Somente com um sacrifício sangrento e vivificar o Deus santo pode habitar justamente entre os pecadores (porque o salário do pecado é a morte, Romanos 6:23) – e isto por causa de Cristo, o Sacrifício que haveria de vir. Em e através da vinda do Messias, o único e perfeito Deus de Israel pode viver entre o Seu povo escolhido: “Eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti” (Oséias 11:9). Esta aparente contradição – o Santo em vosso meio – é explicável somente através de Jesus Cristo, o sacrifício apontado por Deus, porque o Santo vê somente um Cristo perfeito quando Ele olha para o Seu povo (cf. Catecismo de Heidelberg, Q. 60).
Deste triplo conceito de Deus como o Santo, se deduz naturalmente que tudo associado com Deus (isto é, fenômeno divino) deve ser também santo. Por conseguinte, o descanso instituído é “um repouso santo” (Êxodo 16:23); Sua morada é o “santo céu” (Salmos 20:6); Ele se senta num “santo trono” (Salmos 47:8); Sião é Seu “santo monte” (Salmos 2:6); Seu próprio Nome é santo (Êxodo 20:7). Assim, também, Sua igreja é chamada a ser uma “santa assembléia” (Êxodo 12:16) e Seu povo do pacto um “povo santo”: “Porque povo santo és ao SENHOR teu Deus; o SENHOR teu Deus te escolheu, para que lhe fosses o seu povo especial, de todos os povos que há sobre a terra” (Deuteronômio 7:6).
Israel, o povo do pacto de Deus, é chamado à santidade por meio de uma santa separação do pecado (Deuteronômio 7:6), através de uma santa consagração a Deus (Levítico 11:44), de uma santa adoração a Deus (cf. a maior parte de Levítico), e de uma santidade ou limpeza interior (Levítico 16:30; Salmos 24:3-4).
O Novo Testamento
O Novo Testamento ressalta todo o ensino do Antigo Testamento sobre a santidade. Ele desenvolve uma maior ênfase, contudo, sobre os temas da santa Trindade e dos santos consagrados. A santidade é sempre atribuída a uma Pessoa da Deidade. O Deus de amor é o Pai Santo (João 17:11); Jesus Cristo é o Santo de Deus (Marcos 1:24; João 6:69); e o Espírito de Deus é denominado Santo noventa e uma vezes!
Em termos de santos, o Novo Testamento destaca três temas. Primeiro, ele acentua a dimensão ética da santidade. A ênfase recai sobre o interno em lugar da santidade ritual. Básico para isto é o testemunho do próprio Jesus, que como o Filho do homem viveu uma vida de completa santidade, porque Ele “não cometeu pecado, nem na sua boca se achou engano” (1 Pedro 2:22). Ele é “santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores” (Hebreus 7:26). Como resultado de Sua obra redentora, os crentes nEle são declarados justos e entram na santidade: “Na qual vontade temos sido santificados pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez por todas” (Hebreus 10:10).
Em segundo lugar, o Novo Testamento enfatiza o caráter normativo da santidade entre os crentes. A santidade pertence a todos os verdadeiros seguidores de Cristo. Um termo comum para todos os crentes é santo (hagioi), geralmente traduzido por “santo”. Santos, portanto, não se refere a pessoas preeminentes na santidade, mas ao crente típico que é santo em Cristo (1 Coríntios 1:30). Santidade é uma realidade interna para todos os que estão unidos com Cristo. Embora um filho de Deus sinta freqüentemente quão ímpio ele é em si mesmo e possa não ousar se chamar um “santo”, Deus vê todos os Seus eleitos como santos e santificados em e através da perfeita obediência, ativa e passiva, de Seu Filho amado. Por amor de Cristo, seu estado é santo diante de Deus e sua condição é feita santa pelo Espírito que habita neles.
Em terceiro lugar, o Novo Testamento contempla a santidade como transformadora de toda a pessoa: “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso SENHOR Jesus Cristo” (1 Tessalonicenses 5:23). Embora esta “santidade completa” esteja além do alcance do crente nesta vida, ela sempre continua sendo seu objetivo e oração. Ele se deleita em buscar a santidade e procura o “aperfeiçoamento da santidade no temor de Deus” (2 Coríntios 7:1).
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