O plano de Deus é que deveria existir uma dependência mútua entre os crentes; contudo a Bíblia ensina isso primariamente em relação ao ministério público, e não à fé do indivíduo. Diz-se frequentemente, de uma forma ou de outra, que um cristão que está desvinculado de uma comunidade está fadado ao fracasso, mas esse ensino é mais autobiográfico do que bíblico, e é manipulador ao invés de encorajador. Ele é difundido por pessoas fracas ou por líderes que preferem ameaçar pessoas em vez de aprimorar seus próprios ministérios. Ao enfatizarem fé e adoração coletivas, ainda que sua intenção seja supostamente de fortalecer a igreja e seus membros, na verdade seu erro tem sido um fator importante para se perpetuar nos crentes a falta de vigor e compromisso.
O problema é que a sua doutrina equivale a uma negação da plenitude e suficiência de Cristo. Jesus Cristo é suficiente para sustentar e nutrir cada crente em particular totalmente à parte de qualquer outro crente. Há somente um Pai e um mediador entre Deus e o homem, Jesus Cristo. A igreja não é nossa mãe e nosso sacerdote. Antes, cada cristão é um sacerdote divinamente ordenado para a sua posição com plenos direitos de aproximar-se do trono dos céus e receber e administrar tudo o que Deus tem a oferecer por meio de Jesus Cristo. O cristão pode receber tudo de Cristo por meio da fé e pelo contato direto com Deus, sem a assistência da igreja e muito menos a sua permissão. Qualquer doutrina diferente disso é um ataque à suficiência e mediação de Cristo e deve ser considerada heresia.
O foco aqui é o princípio, e não que uma fé isolada é sempre preferível ou que a pessoa deveria deliberadamente buscar esse tipo de fé. E quando a preocupação tem a ver com o princípio, devemos insistir que a doutrina popular que faz da comunidade uma questão de necessidade é uma doutrina que não vem da revelação de Deus, mas da incredulidade e de suposições pessimistas sobre o potencial de um indivíduo perante Cristo. Quando se assume que comunidade é algo necessário para o florescimento ou mesmo para a sobrevivência da fé do indivíduo, encorajar a fé coletiva se torna a mesma coisa que encorajar a fraqueza pessoal. Isso é também um desserviço à comunidade, porque em vez de se reunir por amor, um bando de covardes se reúne agora por necessidade de se deixar arrastar pelos outros.
Jeremias era extremamente solitário, e Paulo teve às vezes de encarar as maiores provações sozinho, mas Jesus Cristo estava com eles e era suficiente para eles. Você diz: “Mas eu não sou Jeremias ou Paulo”. Certo, e enquanto continuar pensando dessa forma você nunca será qualquer coisa parecida com eles. Você não é Jeremias ou Paulo, mas confia no mesmo Jesus Cristo, que é o mesmo ontem, hoje e sempre, e assim não existe nenhuma diferença. Logo, jamais devemos sacrificar a suficiência de Cristo para preservar a importância da comunhão na igreja. E se você não pode passar o dia sem depender de outro homem para sustentá-lo, ao menos não infecte os outros com a sua incredulidade e fraqueza. Assim também, pregadores que negam a suficiência de Cristo para o indivíduo a fim de preservar a importância da comunidade deveriam ser repelidos. A igreja é de fato plano de Deus, mas não para o propósito de sobrevivência espiritual do indivíduo. Jesus Cristo é suficiente ― mais que suficiente ― para cada pessoa à parte da comunidade. Isso é inegociável.
Quando se trata do contexto público, como em uma reunião de igreja ou tarefas cotidianas da comunidade, o plano de Deus é de fato a dependência mútua, e nenhuma pessoa pode representar todo o corpo ou realizar todas as suas funções. Antes, cada pessoa é posta em seu próprio lugar de acordo com a vontade de Deus. Como escreve Paulo, “De fato, Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade”. Não se espera que façamos todos as mesmas coisas ou foquemos igualmente as mesmas coisas. Eventualmente um evangelista poderia enfatizar tanto a primazia do evangelismo que leva todas as outras pessoas se sentirem culpadas por não fazerem tanto quanto ele. Mas ele não está alimentando nenhum órfão. Então aquele que não faz nada mais que alimentar órfãos aparece e faz o evangelista parecer um hipócrita de coração frio. Deus nos colocou em nossas próprias posições, e não devemos definir o corpo como um todo por nenhuma função pela qual estamos obcecados: “Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, há muitos membros, mas um só corpo”.
É aqui que a distinção entre a fé do indivíduo e o ministério público se torna essencial. Como indivíduo, posso realizar em uma pequena escala quase qualquer função no corpo de Cristo, ainda que esse não seja o meu ministério principal. Isto é, posso não ter sido chamado a liderar um projeto nacional para alimentar os famintos, mas eu seria negligente se um pedinte morresse de fome na soleira de minha porta. No entanto, só porque devo alimentar o pedinte na soleira de minha porta, isso não significa que eu deveria liderar um esforço nacional de combate à fome. Em vez disso, talvez Deus tenha me chamado para combater essa confusão ridícula sobre fé pessoal e fé coletiva. Em outras palavras, cada pessoa deveria ser uma crente completa, mas nenhuma pessoa precisa ser uma igreja inteira.
Você pode não pensar em seu dedo mindinho a todo o momento, mas se alguma vez você já o torceu, subitamente percebeu que depende dele o tempo todo. Agora ele dói quando você se levanta, quando se vira, quando caminha. O que acontece se um papel fino corta o seu dedo? Ele dói quando você faz quase qualquer coisa ― dói quando você escreve, quando você dirige, quando você cozinha, quando você lança uma bola ― de modo que “quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele” (v. 26). Da mesma forma, a pessoa que lida com processos burocráticos na igreja, ou talvez faz a contabilidade, recebe pouca atenção; mas imagine o caos se ela for subitamente removida, ou se ela é incompetente ou desonesta.
Para enfatizar uma vez mais o ponto anterior, se você prega na igreja e alguém outro limpa o chão, isso não significa que essa pessoa também limpa o seu chão quando você vai para casa. E se você limpa o seu próprio chão em casa, isso não significa que você deve limpá-lo na igreja, a menos que esse seja o seu emprego. Novamente, Cristo é suficiente para todo crente, para que todo crente pudesse ser completo, mas cada crente não desempenha todas as funções na igreja, de forma que há uma dependência mútua na igreja. Uma teologia da igreja que em qualquer grau compromete a suficiência total de Cristo ou o potencial e a responsabilidade do indivíduo é uma doutrina falsa.
Ora, uma pessoa pode crescer em proficiência, e um dom pode crescer em poder através da oração, do estudo e do uso regular, mas a capacidade parecerá nativa para ela, e não artificial ou forçada. Uma pessoa que não pode desempenhar, digamos, deveres administrativos pode muito bem receber a capacidade após a conversão, mas isso se tornará natural para ela dali em diante. Um olho é um olho porque Deus o fez um olho. Assim também, para um olho ser um olho, basta apenas ele ser ele mesmo. Ele não tem de ser algo que ele não é nem deveria ser invejoso ou fingir ser outro membro no corpo. É assim que ele funcionará de acordo com o seu verdadeiro propósito e potencial.
Autor Vicent Cheng
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