Salmo 2
Este Salmo é geralmente considerado como messiânico, mas foi baseado,
pode-se dizer quase que com toda a certeza, numa ocasião histórica como a que
nos é narrada em 2Sm 5.17 ou em 2Sm 10.6 e seguintes. Uma situação semelhante é
comemorada no Sl 83.5-8, mas a característica distintiva do Sl 2 está no seu
discernimento da crise cósmica por detrás de um acontecimento de caráter
nacional.
O poema representa o mundo inteiro organizado contra o Senhor em
deliberada oposição ao Seu governo. Isto sugere uma diferença fundamental entre
a perspectiva da terra e a do céu; daqui provêm o contraste entre a agitação e
a futilidade dos povos em rebelião e a equanimidade e imutabilidade dos
propósitos de Deus.
a) A conferência mundial (1-3)
A questão apresentada no vers. 1 é retórica e não analítica, por que
qualquer revolta contra Deus é considerada sem fundamento. O furor das nações
não é a fúria da ira concertada, mas o tumulto que resulta da disputa ruidosa
entre gentes que imaginam coisas vãs, isto é, que se rebelam e fazem projetos
vãos e ineficazes. Historicamente, o objeto do ataque dos ímpios era o ungido
do Senhor, Davi (Cfr. 1Sm 24.6); essencialmente, era o próprio Deus; profeticamente,
era o Messias (cfr. At 4.25-27).
>Sl-2.4
b) A confiança celestial (4-6)
Só é possível avaliar verdadeiramente a situação discernindo a mente de
Deus, que Se senta entronizado no Céu e contempla todo o tumulto da insurreição
com a suprema confiança no ilimitado poder da verdade (cfr. 2Co 13.8). Então
(5) tem uma força peculiar. Significa o fim do tempo da aparente liberdade do
homem e o estabelecimento, na terra, do propósito divino. Tão certo está este
clímax determinado que Deus pode permitir-se conceder séculos às nações
rebeldes de modo que todos os planos delas possam amadurecer, todas as objeções
possam ser utilizadas e toda a resistência possa ser tentada (cfr. Ez 33.11).
Então, na plenitude dos tempos, Ele intervém com ira (lit. "soprando com
força pelas narinas") e no Seu furor (lit. "com ardente ira") e
enuncia a Sua palavra enfática (cfr. Rm 1.18; 2Ts 2.8-13). Eu, porém ungi o meu
Rei sobre o meu santo monte (6; cfr. Hb 1.2-3). O argumento de Davi, contra os
que se lhe opunham, era que Deus o tinha indigitado para o trono, pelo que
qualquer resistência que lhe fosse feita significava disputar com Deus (cfr. Sl
4.3).
>Sl-2.7
c) A sua autoridade real (7-9)
Imagina-se que as nações rebeldes, reunidas em revolta tumultuosa sobre
a terra, foram momentaneamente apaziguadas pela declaração divina que ecoa
desde o Céu. No silêncio que se supõe seguir-se, o próprio Davi dirige-se aos
reis e aos povos congregados. Em primeiro lugar, ele defende o seu reinado,
como sendo autorizado pelo Senhor, com fundamento no parentesco (7), doação
(8), e vocação, isto é, o poder de vencer (9). A frase Tu és meu Filho (7)
encontra um paralelismo no Sl 89.26-27 e as palavras Eu hoje te gerei podem
entender-se, historicamente, como fazendo referência ao dia da entronização de
Davi. Foram, porém verdadeira e completamente cumpridas em Jesus Cristo, como o
Novo Testamento ensina. At 13.33; Rm 1.4 declaram que Ele foi aclamado
"Filho" pelo próprio fato da ressurreição. Hb 1.5 e Hb 5.5 citam a
frase, associando-a com a encarnação e o sacerdócio de Cristo. Alguns
manuscritos, incluindo o Códice de Bezae, usam-na em relação com o batismo de
Jesus (Lc 3.22). Semelhantemente, a dádiva prometida das nações e dos domínios
deste mundo veio a ser uma expectativa messiânica e desde há muito que se
entende como dizendo respeito a Cristo. Ap 2.27 cita o vers. 9 em ligação com
"o fim", isto é, a vinda de Cristo em poder e glória (cfr. também Ap
19.15).
>Sl-2.10
d) A ação razoável (10-12)
Na segunda parte do discurso de Davi, ele retrocede para a realidade da
situação descrita nos vers. 1-3. Aquele perigo ainda não passou; a crise ainda
não está resolvida; a elasticidade do divino Então (5) ainda não deu de si; os
eventos futuros podem ainda ser moldados pelos homens. Esta é a razão do apelo
feito aos reis e juízes da terra. Sedes prudentes... Servi ao Senhor... beijai
(isto é, prestai homenagem) ao Filho, porque, de outro modo, não poderá haver
escape do desastre.
O Salmo não descreve o resultado real, porque é um resumo de toda a
história, com o estranho poder do tempo que se manifesta em renovadas crises.
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