Salmo 10
Alguns manuscritos hebraicos, bem como a versão dos Setenta, mostram
este Salmo simplesmente como uma continuação do nono. Como prova disto,
verifica-se que do verso 12, em diante, há um recomeço da estrutura alfabética.
Além disso, os primeiros onze versículos constituem um desenvolvimento da
oração com que termina o Sl 9, de modo que se verifica uma certa semelhança de
tema, nomeadamente, um descanso extremo em Deus a fim de alcançar o livramento
da pressão dos homens maus. Contudo, as diferenças entre os dois Salmos são
suficientes para justificar a idéia tradicional de que é uma composição
separada e posterior, embora escrita de modo a condizer com a outra. (Notem-se
frases em correspondência como Sl 9.9a e Sl 10.18; Sl 9.9b e Sl 10.1b; Sl 9.12b
e Sl 10.12b; Sl 9.19a e Sl 10.12a). Este poema compreende duas partes
principais.
a) Por que fica Deus em silêncio quando abunda a impiedade? (1-11)
Os homens perversos e as suas ações nunca prosperariam se a justiça
divina imediatamente fizesse cair o juízo sobre a sua impiedade. Mas, por outro
lado, a impiedade nunca forjaria a sua própria condenação a menos que a prática
do mal se concretizasse e achasse alguma expressão. A perplexidade do Salmista
(1-2) manifestou-se porque Deus continua a parecer indiferente durante muito
tempo mesmo depois que a injustiça entre o Seu povo se tornou flagrante,
freqüente e objetiva (cfr. Salmos como 22; 35; 37; 38; 73). Sejam apanhados
(2). Segundo a tradução inglesa, à margem, é melhor considerar esta frase como
um caso de paralelismo de pensamento invertido. Não são os ímpios que são
"apanhados", mas "o pobre".
>Sl-10.3
Os vers. 3-11 apresentam uma descrição pormenorizada dos caminhos dos
ímpios. São caracterizados, antes de mais nada, pela suficiência própria
baseada no sucesso mundano. O ímpio gloria-se (3); isto é, canta louvores a si
mesmo, fazendo dos seus próprios desejos o seu deus (cfr. Hc 1.15-16). As
palavras que se seguem são difíceis. Em relação ao verso 4, note-se o Sl 14.1 e
Jó 21.14-15. Não é propriamente o fato de que o homem perverso nega a
existência de Deus (o ateísmo era virtualmente desconhecido entre os judeus
neste tempo), mas que ele põe a ridículo o princípio de que Deus esteja
preocupado com o comportamento do homem (5-6). A ausência de uma punição
imediata sobre aqueles que praticam o mal é sempre um forte argumento para um
pecador cujos valores, que reconhece, estão inteiramente situados neste mundo,
de modo que mesmo a morte constitui pequena ameaça para ele (veja-se a
veemência de Jó a este respeito em Jó 21.17). Há também uma falsidade interior
que brota dos seus maus desejos. O sentimento de culpa adiciona-se à cegueira e
isto se expressa primeiramente através da fala (7) e depois por meio de ações
ocultas contra os inocentes e aqueles que se encontram sem auxílio (8). Estas
práticas cruéis são descritas outra vez no verso 9, o espírito enganador é
declarado de novo no verso 10 e a falsidade primária do seu discurso é expressa
mais uma vez no verso 11.
>Sl-10.12
b) Um apelo a Deus para intervir (12-18)
Excetuando o verso 1, o tema da primeira parte do Salmo tem sido os
"ímpios", a quem foram feitas dezenas de referências. Na segunda
parte o tema é O Senhor é Rei (16) e Ele é mencionado uma dúzia de vezes. A direção
do pensamento muda dos pormenores das práticas ímpias para as características
do governo de Deus. Estas estão inteiramente em desacordo com as noções dos
homens perversos cujas convicções interiores a respeito da indiferença de Deus
são completamente falsas. As aflições do Seu povo não são apenas observadas,
mas tornam-se em oportunidades para a ação divina (14). O Salmo torna-se assim
um apelo a Deus para que Ele intervenha e elimine a impiedade (15). Além disso,
porque Deus é o Rei eterno, o estabelecimento da verdade e a restauração dos
corações sobrecarregados e oprimidos são tão certos como se já estivessem
virtualmente concretizados (17-18). A incidência do julgamento divino nos
assuntos humanos era considerada inteiramente secundária em relação ao seu
caráter inevitável. Foi esta última convicção que impeliu o Salmista a rogar a
Deus que apresse a Sua intervenção (12). Esta conclusão é paralela à do Salmo
precedente, mas a oração dos vers. 17-18 é caracterizada pela serenidade e
confiança enquanto que Sl 9.19-20 exprime veemência e desassossego. O homem...
da terra (18). Ver Gn 3.19. Uma referência à fragilidade humana do homem e à
sua decadência final.
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