Estamos para considerar as obras de Deus; Há muito na Bíblia, como
pretendo mostrar-lhes, sobre o modo como Deus faz as coisas, e é importante que
consideremos isso antes de considerarmos exatamente o que Deus fez.
Antes de Deus criar o mundo e o homem, Ele ponderou, Ele intentou
e determinou certas coisas. Certas coisas foram decididas na mente e no
conselho eternos de Deus, antes que Ele fizesse qualquer coisa no âmbito da
Criação.
A descrição que é apresentada na Bíblia referente ao modo ou ao
método de Deus operar consiste no que comumente se chama a doutrina dos
decretos eternos de Deus. Essas são coisas que Deus determinou e ordenou antes
que tivesse feito qualquer coisa.
Aliás, estou cada vez mais convencido de que fé é a disposição de
alguém submeter-se aos limites bíblicos. É a disposição de não fazer perguntas
sobre coisas que não se acham reveladas nas Escrituras. Fé consiste em dizer:
“Muito bem, levarei em conta tudo quanto é registrado na Bíblia, e não quero
saber de nada mais além disso. Estou satisfeito com a revelação.” Devemos
aproximar-nos desta grande doutrina dessa forma.
Deus de toda eternidade, tem tido um plano imutável com referência
às Suas criaturas. A Bíblia está constantemente fazendo uso de uma frase como
esta: “Antes da fundação do mundo” (Vejam Ef. 1:4). Como o apóstolo Paulo disse
sobre o nascimento de nosso Senhor: “Mas, vindo a plenitude dos tempos...”
(GáI. 4:4).
Nada é acidentais, casuais, incertos ou fortuitos. Deus tem um
plano, um propósito definido. Tudo o que Deus tem feito e causado é segundo o
Seu próprio plano eterno, e esse é fixo, certo, imutável e absoluto. Essa é a
primeira afirmação.
A segunda consiste em que o plano de Deus compreende e determina
todas as coisas e eventos, de toda espécie, que acontecem. Desse modo, a
doutrina dos decretos eternos de Deus declara que todas as coisas são
finalmente determinadas e decretadas por Ele.
Por conseguinte, se tudo está determinado por Deus, devem-se
incluir, necessariamente, as ações livres, as ações voluntárias de agentes
livres e voluntários. Com respeito ao sistema como um todo, isso é colocado
muito claramente pelo apóstolo Paulo. Diz ele: “De tornar a congregar em Cristo
todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos
céus como as que estão na terra; nele, digo, em quem também fomos feitos
herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas
as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (E£ 1: 10,11). Com efeito, isso
se aplica a todas as coisas. Paulo está falando ali do cosmo como um todo sendo
unido em Cristo, e ele diz que Deus irá realizar isso dessa maneira.
Em seguida temos mais evidência escriturística a demonstrar que
Deus, dessa maneira, governa, controla e determina os eventos que aparentam aos
nossos olhos ser totalmente fortuitos. No livro de Provérbios, lemos: “A sorte
se lança no regaço, mas do Senhor procede toda a sua disposição” (Prov. 16:33).
Chamamos “sorte” uma questão de probabilidade e casualidade, não é verdade?
Vocês “lançam” a sorte. Sim, diz essa passagem das Escrituras: “mas do Senhor
procede toda a sua disposição”. Também no Novo Testamento lemos que nosso
Senhor diz: “Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? E nenhum deles cairá
em terra sem a vontade de vosso Pai” (Mat. 10:29), Um pequeno pardal
estatela-se morto e cai por terra. Acidente, diz você. Casualidade.
Absolutamente, não! “Nenhum deles cairá em terra sem à vontade de vosso Pai.”A
vida de um pequeno pardal está nas mãos de Deus. Ele, porém, prossegue: “E até
mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados” (v. 30). Há eventos que
parecem ser totalmente acidentais, no entanto são controlados por Deus.
Em seguida, tomem nossas ações livres. Leiam Provérbios 2 1: 1:
“Como ribeiros de águas, assim é o coração do rei na mão do Senhor; a tudo
quanto quer o inclina.” O rei parece estar livre, porém Deus está controlando-o
como controla os próprios rios. Efésios 2: 10 nos declara: “Porque somos
feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou
para que andássemos nelas.” E Filipenses 2:13 nos diz: “Porque Deus é o que
opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade.”
Não obstante, chegamos a algo mais extraordinário e surpreendente:
as Escrituras nos ensinam que até mesmo as ações pecaminosas estão nas mãos de
Deus. Ouçam Pedro pregando no dia de Pentecoste, em Jerusalém: “A este que vos
foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, tomando-o vós, o
crucificastes e matastes pelas mãos de injustos” (Atos 2:23). Em seguida, Pedro
o coloca nestes termos: “Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus,
que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os
gentios e os povos de Israel” - prestem atenção – “para fazerem tudo o que a
tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de
fazer” (Atos 4:27,28). O terrível pecado daqueles homens fora determinado de
antemão, pelo conselho de Deus.
Temos também um tremendo exemplo disso no livro de Gênesis, aquela
famosa declaração de José a seus irmãos. José, rememorando os fatos de sua
história, virou para seus irmãos e disse: “Assim não fostes vós que me
enviastes para cá, e sim Deus...” (Gên. 45:8). Do nosso ponto de vista, foram
eles que o fizeram. Eles haviam agido perversamente, haviam feito algo muito
ímpio, movidos por motivos mercenários e como resultado de sua própria inveja.
“Mas”, disse José, “não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus”. Estas
ações pecaminosas emanaram deste grande e eterno decreto de Deus.
Deus não causa o mal em nenhum sentido, em nenhum grau. Deus não
aprova o mal. Ele, porém, permite que os agentes perversos o realizem, e então
o administra para Seus próprios fins sábios e santos. A
Bíblia nos ensina isso claramente. Ouçam novamente aquele relato sobre José e
seus irmãos em Gênesis 50:20. Disse José: “Vós bem intentastes mal contra mim,
porém Deus o tornou em bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar em
vida a um povo grande.” E creio que, em muitos aspectos, o exemplo mais
chocante de todos se encontra na traição de Jesus por Judas: uma ação livre e
voluntária, e no entanto um componente do grande e eterno propósito e plano de
Deus.
Assim sendo, isso me conduz à minha terceira proposição geral, ou
seja: todos os decretos de Deus são incondicionais e soberanos. Eles não
dependem, em nenhum sentido, das ações humanas. Não são determinados por alguma
coisa que a pessoa possa ou não fazer. Os decretos de Deus não são nem ainda
determinados à luz do que Ele sabe que as pessoas irão fazer. Eles são
absolutamente incondicionais. Não dependem de nada, a não ser da própria
vontade e da própria santidade de Deus.
Entretanto - quero deixar isto bem claro - não significa que não
exista o que se chama causa e efeito na vida. Isso não significa que não exista
o que se chama ações condicionais. Sim, existe aquilo a que se chama, na
natureza e na vida, causa e efeito. O que a doutrina afirma, porém, é que cada
causa e efeito, bem como as ações espontâneas, são componentes do decreto do
próprio Deus. Ele determinou agir dessa maneira particular. Deus decretou que o
fim que Ele tem em vista será cumprido, certa e inevitavelmente, e que nada
poderá impedi-lo nem frustrá-lo.
Deixem-me apresentar-lhes agora a minha evidência para tudo isso.
Tomem a profecia de Daniel: “E todos os moradores da terra são reputados em
nada; e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da
terra: não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: que fazes?” (Dan. 4:35).
Nada pode impedir a mão de Deus, nem mesmo questioná-la. Ou então ouçam a nosso
Senhor afirmar este mesmo fato em Mateus 11:25,26: “Graças te dou, ó Pai,
Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e
as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim te aprouve.” Por que Deus
tem escondido estas coisas aos “sábios e entendidos” e as revelado aos
“pequeninos”? Só existe uma resposta – “porque assim te aprouve”, porque assim
pareceu bem aos Seus olhos.
Paulo também afirma a mesma coisa: “E nos predestinou para filhos
de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua
vontade’ (Ef. 1:5). Nada mais, absolutamente. E inteiramente pela graça.
Mas, naturalmente, vocês encontrarão esta doutrina afirmada ainda
mais claramente naquele grande e poderoso capítulo nove da Epístola aos
Romanos. Desejo, neste momento, enfatizar especialmente o versículo 11. Vocês
descobrirão que ele é um versículo entre parênteses; porém, que grandioso
versículo! Que declaração! “Porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo
feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse
firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama).” O argumento de
Paulo consiste em que Deus decretara que o mais velho servisse ao mais jovem,
porque, mesmo antes que houvessem nascido, Ele havia dito: “Amei Jacó, e
aborreci Esaú” (v. 13).
“Por que”, vocês perguntam, “Deus amou Jacó, porém odiou Esaú? Foi
em razão do que eles fizeram?” Não. Antes que nascessem, antes mesmo que fossem
concebidos, Deus escolheu Jacó e não Esaú. Não tinha nada a ver com suas obras,
em sentido algum.
O propósito de Deus é incondicional e absolutamente soberano.
Ouçam a Paulo dizer novamente: “Que diremos, pois? que há injustiça da parte de
Deus? de maneira nenhuma” (Rom. 9:14). Que Deus os livre de chegarem a tal
conclusão! E impossível – “Pois diz a Moisés: compadecer-me-ei de quem me
compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia. Assim, pois,
isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece.
Porque diz a Escritura a Faraó: para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar
o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra. Logo, pois,
compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer." (Rom. 9:15-18)
Deixem-me apresentar o quarto princípio, o qual é que: os decretos
de Deus são eficazes. Ora, isso, naturalmente, se deduz necessariamente. Visto
que Deus é um Senhor soberano, em virtude de Sua onipotência e de Sua grandeza,
Seus propósitos jamais podem fracassar. O que Deus determina e decreta,
infalivelmente devera ser cumprido. Nada pode impedi-lo. Nada pode frustrá-lo.
E isso me traz ao quinto princípio: os decretos de Deus são em
todos os aspectos perfeitamente consistentes com Sua própria natureza
muitíssimo sábia, benevolente e santa. Creio que não é necessário que eu
argumente tal fato. Noutras palavras, não existe contradição em Deus. Nem pode
haver. Deus é perfeito, como temos visto, e Ele é absoluto, e tudo quanto estou
expressando agora se entrosa perfeitamente com tudo quanto já consideramos
antecipadamente.
De duas coisas podemos estar certos e devemos sempre asseverar:
primeira, Deus jamais é a causa do pecado. Em Habacuque 1: 13, vocês
encontrarão expresso: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal.” Tiago
diz: “... Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta” (Tiago 1: 13).
Segunda, o propósito de Deus é, em todas as coisas, perfeitamente consistente
com a natureza e o modo de agir de Suas criaturas. Noutras palavras, ainda que
não possamos conciliá-lo, há uma conciliação final. Os decretos de Deus não
negam a existência de agentes livres. Tudo o que sabemos é isto: ainda que Deus
concedeu esta liberdade, Ele, não obstante, a tudo governa a fim de que Seus
fins determinados possam ser concretizados.
Como pode Deus decretar tudo e ainda manter-nos responsáveis pelo
que fazemos? Eis a resposta: “Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas?
Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: porque me fizeste assim? Ou não
tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra
e outro para desonra? E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a
conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados
para perdição; para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos
vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou” (Rom. 9:20-23).
“Mas”, talvez vocês perguntem, “como você concilia estas duas
coisas?”
Respondo: não posso. Sei que a Bíblia me afirma as duas coisas:
que o homem, em certo sentido, é um agente livre, e, em contrapartida, que os
decretos eternos de Deus governam todas as coisas.
Em seguida, devo apresentar minha última proposição, ou seja, a
salvação dos homens e das mulheres e dos anjos e alguns deles em particular foi
determinada por Deus antes da fundação do mundo. Isso Ele faz inteiramente de
acordo com o Seu beneplácito e de Sua graça. Devo remetê-los novamente a Mateus
11:25,26. E em João 6:37, lemos: “Todo aquele que o Pai me dá virá a mim; e o
que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora.” E no versículo 44 nosso
Senhor diz: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer.” Em
Atos 13:48, leio o seguinte: “e creram todos quantos estavam ordenados para a
vida eterna.”
Em 2 Tessalonicenses 2:13, vocês encontram: “Mas devemos sempre
dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido
desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito, e fé da
verdade.” Em seguida, em sua carta a Timóteo, Paulo diz: “Que nos salvou, e
chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu
próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos
séculos” (2 Tim. 1:9).
Especialmente, porém, gostaria de enfatizar novamente aquela
grande afirmação, a qual já citei, de Romanos 9:20-23. O apóstolo Paulo,
pregando esta grande doutrina dos decretos eternos de Deus, imagina alguém em
Roma dirigindo-lhe uma pergunta e dizendo: eu não entendo isso. A mim soa
contraditório, injusto. Se o que você me diz sobre estes decretos é verdadeiro,
então a impressão que fica é que Deus é injusto. O questionador diz a Paulo:
“Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem resiste à sua vontade?” (Rom.
9:19).
E a réplica de Paulo é: “Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus
replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: por que me fizeste
assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um
vaso para honra e outro para desonra? E que direis se Deus, querendo mostrar a
sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da
ira, preparados para perdição; para que também desse a conhecer as riquezas da
sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou.”
Eis aí a resposta do apóstolo. Eis aí a resposta das Escrituras.
Eis aí, portanto, a resposta de Deus, a nós e por nós, enquanto estamos neste
mundo passageiro. Ela se acha além de nós. Não podemos apreender o supremo
funcionamento da mente de Deus. Não adianta perguntar: por que isso? e, por que
aquilo? Por que Deus levantou Faraó? Por que Ele escolheu Jacó e não Esaú? Por
que Ele nos castiga, se todas as coisas estão determinadas e decretadas? A
resposta é: “Mas, ó homem, quem és tu?” Vocês estão opondo sua própria mente
contra a de Deus. Estão ignorando, quão finitos vocês são, quão pecaminosos em
resultado da Queda. Vocês têm que abrir mão do entendimento até chegarem à
glória. Tudo o que vocês têm a fazer aqui, no momento, é crer que Deus é sempre
consistente consigo mesmo, e aceitar o que Ele explícita e abertamente nos
revelou sobre Seus decretos eternos, sobre o que Ele determinou e decidiu antes
mesmo que criasse o mundo.
E, acima de tudo, compreendam que, se vocês são filhos de Deus, é
em razão de Deus o ter determinado, e o que Ele determinou a seu respeito é
indiscutível, seguro e certo. Nada e ninguém pode jamais tirá-los de Suas mãos,
nem tampouco levá-Lo a renunciar Seu propósito com relação a vocês. A doutrina
dos decretos eternos de Deus existiu antes da fundação do mundo. Ele me
conheceu. Conheceu a vocês. E os nossos nomes foram escritos no “livro da vida
do Cordeiro” antes mesmo que o mundo fosse criado, antes mesmo que vocês e eu,
ou algum outro, entrássemos nele.
Curvemo-nos diante de Sua Majestade. Humilhemo-nos em Sua augusta
presença. Submetamo-nos à revelação que Ele tão graciosamente Se agradou em nos
comunicar.
Extraído do livro “Deus o Pai, Deus o
Filho” Dr. Martyn Lloyd-Jones – Editora PES.