Introdução
Há pouco tempo, ouvi em uma pregação um pastor relatar sobre um trabalho missionário no leste europeu e concluir dizendo: “Ainda bem que Deus tem os vocacionados dele para lá e não me chamou para trabalhar em um lugar como esse”. Também é comum ouvir frases, tais como: “os missionários vão para os campos, enquanto nós ficamos aqui na retaguarda, orando e contribuindo”.
Sem dúvida, há um conceito teológico por trás disso que parece haver se solidificado em nosso meio. Um conceito que, gostando ou não, forma o “pano de fundo bíblico” que norteia grande parte das nossas igrejas, nossas lideranças, nossos irmãos e até nossos missionários. O conceito é o de que os missionários vão para os campos (normalmente lugares longínquos, primitivos, dolorosos ou exóticos) cumprir sua vocação (entendida ainda pela grande maioria como sendo o abandono de seus familiares, de seu trabalho, de seu salário… de sua vida) e fazer a obra missionária (a verdadeira obra missionária está paulatinamente deixando de ser entendida como “transcultural”, para ser considerada como a “plantação de grandes igrejas em nossos bairros”), enquanto nós continuamos aqui, e daqui mantemos o trabalho missionário com nossas orações e contribuições.
Diante desse conceito popular, corremos o risco de acreditar que somente os vocacionados que vão para campos são os verdadeiros missionários. Mas ao olhar para o texto bíblico, notamos que é salutar essa dinâmica em que uns se transferem para outras regiões e assumem ministérios específicos, enquanto outros continuam em sua terra desenvolvendo seus ministérios de sempre. Em linhas gerais, essa dinâmica missionária da igreja aponta claramente para a existência de uma só missão na qual estamos todos envolvidos e participando. Há alguns elementos no texto que demonstram isso de modo mais claro.
1. Recebidos com alegria pelos irmãos (v. 17)
A felicidade demonstrada pelos irmãos de Jerusalém ao receberem Paulo e sua equipe em sua igreja e em suas casas indica o grau de envolvimento desses irmãos com os missionários recém-chegados e com a obra que estavam realizando. Essa alegria foi traduzida em hospitalidade, em cuidados, em descanso, em comida quentinha e em aconchego. Era uma forma concreta de envolvimento gracioso e de realizarem, eles mesmos, parte da vocação recebida de Deus. Isso nos faz lembrar das sábias palavras de João: “devemos acolher esses irmãos, para nos tornarmos cooperadores da verdade” (3Jo 8). Portanto, há uma só missão!
2. Evangelizar os gentios e os judeus (v. 19-20)
Paulo relatou seu trabalho entre os gentios e o Conselho da igreja de Jerusalém relatou seu trabalho entre os judeus daquela cidade. Uns precisaram deixar suas pátrias para evangelizar, enquanto outros não. Eram relatos de ministérios missionários específicos, com alvos diferentes, com métodos de abordagem próprios, com desafios teológicos, filosóficos e sociais particulares. Quanto a isso, é bom notar que o relato que inclui as maiores dificuldades (21.20-22) foi o do Conselho de Jerusalém, justamente os que estavam evangelizando seus vizinhos em seu próprio bairro. O importante é ver que ambos, os que foram enviados a terras estranhas e os que ficaram, estavam profundamente comprometidos com a evangelização de todos os seres humanos e não consideravam como superior o seu trabalho nem o dos demais. Portanto, há uma só missão!
3. Prestando contas (v. 18-19)
O texto é muito claro ao mostrar que Paulo se reuniu com Tiago e todos os presbíteros da igreja “contou minuciosamente [um a um] o que Deus fizera entre os gentios por seu ministério”. O apóstolo reconheceu a necessidade de prestar contas do seu trabalho de maneira minuciosa e completa, sem máscaras, triunfalismos ou apelos emotivos. Ele descreveu a ação de Deus. Paulo e seus companheiros somente puderam agir desse modo por reconhecerem que o Conselho da igreja de Jerusalém e demais irmãos dali faziam, como ele, parte da ação de Deus no mundo e estavam comprometidos com essa ação. Além disso, vale a pena observar que a equipe paulina também reconhecia, respeitava e honrava seu próprio vínculo eclesial com a igreja que enviava. Portanto, há uma só missão!
4. Paulo e seus companheiros seguiram a orientação dada pelo Concílio (v. 23-26)
A liderança da igreja precisava orientar o procedimento de Paulo, uma vez que os judeus convertidos ainda se mantinham ligados à observância dos preceitos do judaísmo e se enfureceriam ao saber que Paulo estava em Jerusalém, pois ele ensinava aos gentios que não era necessário seguir o judaísmo e sim guardar o que o Concílio de Jerusalém havia determinado (21.25; 15.22-35). Por um lado, o Conselho orientou o apóstolo porque sabia muito bem qual seria a reação daqueles judeus. Por outro lado, notamos que o apóstolo seguiu as instruções do Conselho cumprindo alguns votos do judaísmo (algo que ele supostamente já havia abandonado). Não julgou ser autossuficiente como apóstolo e missionário bem-sucedido para “passar ao largo” a decisão do Concílio. Antes, ele reconhecia que Deus o estava guiando por meio da decisão da igreja em missão (não os considerava como “os que estão confortavelmente atrás de uma mesa”) e, dessa forma, nos demonstra seu caráter enérgico e decidido sob o controle do Espírito Santo. Aliás, essa não foi a primeira vez que Paulo recebeu e seguiu instruções de um Conselho. Vemos a mesma atitude em 15.36-41, no caso da desavença com Barnabé. Portanto, há uma só missão!
Conclusão
Uns vão, outros ficam… Mas há uma só missão! Creio que essa é uma lição que precisamos aprender uma e outra vez ao longo da nossa jornada missionária como igreja de Deus militando no mundo. É preciso que todos (os que vão e os que ficam) nos vejamos como verdadeiros enviados de Deus à humanidade (quem quer que seja e onde quer que esteja). A todos nós Deus vocacionou e a igreja é a comunidade dos enviados de Cristo ao mundo. Podemos dar as mãos e aprender, dia a dia, a caminhar juntos como um só povo, com uma só missão!